Trump 2.0. O que já mudou na imigração e os desafios para a política externa

Logo nas primeiras horas, o novo Presidente remodelou por completo a política de imigração. Na política externa, reclama os louros do cessar-fogo em Gaza e já ameaçou Vladimir Putin com sanções

Na passada segunda-feira, dia 20, Donald Trump voltou a jurar ser fiel à Constituição dos Estados Unidos oito anos depois da primeira vez. Vários acontecimentos de importância maior decorreram no mandato do democrata Joe Biden, e Trump não encontrará o mesmo país que deixou em 2021. Para o bem e para o mal. Os desafios acumulam-se, principalmente em matéria de política externa, com focos de conflito em várias geografias. Também a nível de segurança interna Trump estará a braços com várias questões fundamentais.
O agora quadragésimo sétimo Presidente não perdeu tempo, e após a tomada de posse colocou em marcha uma série de ordens executivas – tanto na Sala Oval quanto num pavilhão com 20 mil pessoas – que pretendem demonstrar a sua rapidez na resolução dos problemas mais prementes da sociedade americana.

A imigração

Mesmo que a maioria das atenções recaiam, naturalmente, na abordagem externa desta administração, para o eleitor americano será de importância maior a ação interna, principalmente no que à imigração ilegal e à segurança nacional diz respeito – uma das bandeiras da campanha do republicano.
Nas ordens executivas prontamente assinadas, Trump dedicou dez à reestruturação da política de imigração, das quais se destaca uma, publicada desde logo em forma de comunicado. O documento, intitulado “Proteger o povo americano contra a invasão”, começa com uma dura crítica às políticas levadas a cabo pela anterior administração, acusando-a de ser responsável por convidar, administrar e supervisionar “um fluxo sem precedentes de imigração ilegal para os Estados Unidos”. “Milhões de estrangeiros ilegais atravessaram as nossas fronteiras ou foram autorizados a entrar diretamente nos Estados Unidos em voos comerciais e a instalar-se nas comunidades americanas, em violação de leis federais de longa data”, continua mencionando ainda os atos ilícitos praticados por imigrantes ilegais, como “espionagem, espionagem económica e preparativos para atividades relacionadas com o terrorismo”. Para Trump, estes agentes “abusaram da generosidade da população americana”, algo que custou “milhares de milhões de dólares do dinheiro dos contribuintes”.
“A aplicação das leis de imigração da nossa Nação é extremamente importante para a segurança nacional e a segurança pública dos Estados Unidos”, continuou reiterando que “o povo americano merece um Governo Federal que coloque os seus interesses em primeiro lugar e um Governo que compreenda a sua obrigação sagrada de dar prioridade à segurança, à proteção e ao bem-estar financeiro e económico dos americanos”.

Deportar imigrantes sem julgamento

De forma resumida, constam neste documento mudanças importantes e radicais quanto à política de imigração. Primeiro, a expansão da “remoção acelerada”, isto é, a capacidade para deportar imigrantes sem obrigatoriedade de julgamento, munindo as autoridades de poder para prender alguém acusado de entrar sem inspeção em qualquer parte do país, podendo ser deportado quem não esteja há pelo menos dois anos em território americano.
Segundo, é exigido que todos os não-cidadãos se registem e passem a apresentar as suas impressões digitais ao Governo. Uma lei que, segundo o American Immigration Council, “é raramente utilizada na legislação dos EUA”, o que poderá ser “muito difícil de cumprir para os imigrantes que entraram nos EUA sem autorização, abrindo assim a porta a que sejam alvo de detenção e ação penal”.
Terceiro, as autorizações de trabalho passarão a ser emitidas apenas a pessoas com estatuto legal, sendo que quem está em processo de legalização não as poderá receber. Seguem-se ordens que ameaçam a revogação de todo o financiamento federal a Estados que não cumpram as diretrizes e a condução de auditorias a “todos os contratos federais com organizações não governamentais envolvidas direta ou indiretamente na assistência a imigrantes indocumentados, congelando todos os fundos durante essas auditorias e ameaçando ordenar a devolução desses fundos após a auditoria”.
Foram já deportados vários imigrantes, principalmente brasileiros – algemados e com correntes nas pernas – e colombianos, com o Governo de Lula da Silva a exigir explicações e Gustavo Petro a tentar um braço-de-ferro com Trump, acabando por ceder após as ameaças do novo Executivo americano.

Política Externa

Independentemente da mudança radical na política de imigração, que a ação imediata de Donald Trump faz parecer urgente, as avaliações dos mandatos presidenciais ficam historicamente marcadas – positiva ou negativamente – pela condução da política externa. Com Trump não será diferente, principalmente tendo em conta o cenário geopolítico atual. O Presidente americano prometeu colocar um ponto final no conflito russo-ucraniano em apenas vinte e quatro horas, resolver o caldeirão explosivo do Médio Oriente e alterar as relações sino-americanas de modo a conseguir alguma alavancagem neste novo cenário de Guerra Fria.
Para além destes desafios principais, Trump também tenciona a aquisição da Gronelândia, território sob jurisdição dinamarquesa, aumentando tensões com os parceiros da NATO e da União Europeia, do Canal do Panamá, sob o controlo panamenho desde 1999, e pretende alterar o nome do Golfo do México para Golfo da América. Quanto ao Canadá, a retórica terá sido provavelmente para enfraquecer ainda mais Justin Trudeau, que acabou por cair.
Na questão ucraniana, Trump não conseguiu manter a sua promessa. O problema é mais bicudo do que imaginaria, e até já ameaçou o Presidente russo Vladimir Putin. “Vou fazer à Rússia”, escreveu na sua rede social Truth Social, “um grande FAVOR. Resolvam agora e acabem com esta guerra ridícula! SÓ VAI PIORAR”. “Se não chegarmos a um acordo”, ameaçou, “não tenho outra escolha senão aplicar altos níveis de taxas, tarifas e sanções a tudo o que for vendido pela Rússia aos Estados Unidos e a vários outros países participantes”. “Vamos acabar com esta guerra (…) Podemos fazê-lo da maneira fácil ou da maneira difícil – e a maneira fácil é sempre melhor”, concluiu.
Quanto ao Médio Oriente, e mesmo antes da cerimónia de dia 20 de janeiro, Trump já tinha reclamado os louros do cessar-fogo no Médio Oriente entre Israel e o Hamas, tendo sido reportado por vários meios de comunicação que o seu enviado especial para a região, Steve Witkoff, foi uma peça fundamental para desbloquear o impasse que teimava em ser quebrado. A troca de reféns israelitas por prisioneiros palestinianos já está em curso, e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, visitará Washington na próxima semana.
É também esperado que o Presidente americano endureça a sua política para com a China, quer em termos comerciais quer em termos militares, que tem constantemente ameaçado Taiwan, um dos parceiros de maior importância estratégica para os EUA, e é responsável pelo aumento de tensões no Mar do Sul da China, zona na qual reclama soberania e que já levou a vários confrontos com pequenas potências regionais como as Filipinas.
Assim, esta segunda passagem de Donald Trump pela Casa Branca está carregada de desafios de importância incalculável, tanto a nível interno quanto externo, e as previsões para o futuro do mundo sob a doutrina da “paz pela força” de Trump dividem-se entre o otimismo e a preocupação.