O livro sobre o qual aqui escrevi na passada semana revelou-se afinal cheio de surpresas. O título – Lost Japan – Last glimpse of beautiful Japan (que eu traduziria por ‘Japão desaparecido – um último vislumbre do belo Japão’) – levou-me a pensar que seria um estudo sobre o velho Japão. Afinal, trata-se de uma coletânea de artigos (muito agradáveis de ler, por sinal) de um americano radicado naquele país. Alex Kerr, que ali chegou com a família em criança, regressando depois de concluir os seus estudos, conta como ainda conheceu o ‘Japão autêntico’ e, nestas páginas, olha com desgosto para o avanço implacável da modernidade, que, qual bulldozer, vai obliterando séculos de história pelo caminho.
Um exemplo especialmente revelador deste processo é o da iluminação das casas. Para o ilustrar, Kerr recorre ao clássico de Tanizaki, o magnífico Elogio da Sombra.
«Tanizaki lamenta o facto de a beleza das sombras já não ser entendida no Japão moderno. Qualquer um que tenha vivido numa velha casa japonesa saberá como uma pessoa se sente sempre sequiosa de luz, como se estivesse a nadar debaixo de água. Foi a pressão constante desta escuridão que levou os japoneses a criar cidades de néon e luzes fluorescentes. A luminosidade é um desejo fundamental no Japão moderno, e que pode ser visto nos átrios de hotel iluminados uniformemente e nos salões de pachinko a piscar».
O que resta hoje do ‘belo Japão’ de que Kerr nos fala no subtítulo do seu livro? Aparentemente muito pouco. E o nosso cicerone não tem papas na língua.
«Esta destruição continuou a um ritmo cada vez mais acelerado e o Japão encontra-se agora entre os países mais feios do mundo. Os amigos que vêm do estrangeiro visitar-me ficam quase universalmente desiludidos». Para quem sonha visitar o Japão e venera a sua cultura estas são palavras difíceis de digerir. Mas há mais: «E o que dizer dos cabos elétricos? O Japão é a única nação avançada do mundo que não enterra as linhas elétricas nas suas pequenas e grandes idades, e esse é um fator primordial na impressão sórdida que nos fica das suas áreas urbanas. Nos subúrbios é ainda pior. […] por todo o lado, uma teia infernal de linhas de energia ensombra o céu acima da cabeça».
Num livro sobre o Japão desaparecido esperar-se-ia encontrar referências ao ritual do chá, às gueixas, aos templos ancestrais, às pedras, às montanhas e aos rios – não a luzes fluorescentes, a salões de pachinko (uma espécie de slot machines em que os japoneses são verdadeiramente viciados) e a emaranhados de cabos elétricos que desfiguram as cidades.
Como aqui referi na semana passada, tenho na minha biblioteca lado a lado este Lost Japan e A History of Modern Japan, de Richard Storry, pois pareceu-me que fariam uma boa dupla, abrangendo a totalidade da história do país. Ao que tudo indica, não me terei enganado. Mas afinal é o primeiro que fala do Japão moderno; enquanto, a avaliar pelo que diz o guia Fodor’s de Tóquio («por moderno, Storry entende tudo o que não seja pré-histórico»), o segundo proporciona uma viagem a tempos mais recuados do país do sol nascente. Ou seja, complementam-se de facto na perfeição, ainda que não exatamente da forma que eu imaginara Mas é só uma questão de perspetiva: vendo bem, a escrita japonesa também se lê ao contrário.
O bulldozer da modernidade
Num livro sobre o Japão desaparecido esperar-se-ia encontrar referências ao ritual do chá, às gueixas, aos templos ancestrais, às pedras, às montanhas e aos rios – não a luzes fluorescentes, a salões de pachinko e a emaranhados de cabos elétricos que desfiguram as cidades.