Os donos da demagogia

Faz o que eu digo, não faças o que eu faço, parece uma máxima cada vez mais em voga na política portuguesa. Da extrema-esquerda à extrema-direita. O que é mau para a democracia e pode influenciar a participação de eleitores em próximas eleições

Há dias, Alexandra Leitão esteve no programa de Ricardo Araújo Pereira que, curiosamente, teve laivos de Agostinho Costa (ao tratar sempre a deputada do PS por «senhora doutora»). A candidata socialista à Câmara de Lisboa espalhou a sua boa disposição, dizendo que não tem nada de radical. Quando questionada sobre o facto de os seus filhos andarem em colégios particulares, Leitão aproveitou para dizer que não aceita intromissões na sua vida privada, mas lá acrescentou que andaram dois terços do tempo em escolas públicas e o restante em colégios privados. Extraordinário! Então uma deputada que tanto fala nas virtudes do setor público, acha estranho que lhe perguntem se os filhos andam em escolas privadas, onde os alunos mais endinheirados podem aprender sem terem que se sujeitar a greves e à cultura wokista? Rui Tavares, o líder do Livre, também não gostou que se descobrisse que o seu filho anda numa escola particular. A mim, é-me indiferente o que cada um faz, e se alguém pode dar uma educação melhor aos seus filhos, excelente. Mas depois não venha para a praça pública dar loas ao ensino público, que só serve para os outros e onde as sucessivas greves põem em causa o futuro dos alunos com menos posses. E em que o chamado ‘elevador social’ está avariado. É tudo uma questão de coerência.
Por falar em coerência, o Governo de Luís Montenegro – que está longe dos casos e casinhos dos Executivos de António Costa, diga-se – começa a dar ‘barraca’. A telenovela de Gandra d’Almeida, ex-diretor executivo do SNS, merece reflexão, pois não é normal ninguém ter dado pelo currículo do ‘gabiru’, que terá ganho mais de 200 mil euros em acumulação de funções incompatíveis.
Já a recente demissão de Hernâni Dias, ex-secretário de Estado da Administração Local, é mais complicada, pois o governante passou no teste da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP) e no inquérito da Assembleia da República. Ao contrário de outros colegas do Governo, que se ‘desfizeram’ de empresas que detinham antes de tomarem posse, Hernâni Dias criou duas empresas depois de ser secretário de Estado, empresas essas que podem beneficiar da nova lei dos solos, que ele ajudou a fazer. Inacreditável! Luís Montenegro bem pode combinar um almoço com o núncio apostólico encarregue de investigar a vida de futuros bispos, antes de enviar os três nomes para o Vaticano, para o Papa escolher um deles.

Continuando nas (in)coerências, o que dizer dos despedimentos das funcionárias do BE? ‘Bem prega Frei Tomás, faz o que elas dizem, não faças o que elas fazem’. Quem tanto se manifesta contra a ditadura do patronato, deve ser difícil ser apanhado e acusado de crimes de fraude à segurança social e falsificação de documento. Como é possível criticar-se tanto os outros e ser-se pior? Mas deixemos agora o BE tentar provar a sua inocência e a Justiça dizer de sua justiça.
Finalmente, não é possível deixar de falar no ‘Xico Mãozinhas’, vulgo Miguel Arruda, ilustre deputado do Chega, que adorava roubar malas no aeroporto para depois colocar as peças à venda por um euro. Uma pessoa doente que obrigará André Ventura ao mais difícil dos seus desafios: encontrar gente que queira servir o Chega e que não tenha um currículo que possa figurar nos cartazes do próprio partido, no que diz respeito a corruptos, ladrões e afins. A vida é muito irónica.