Estou a terminar um livro sobre D. João VI, ou melhor, sobre o período que vai da sua fuga para o Brasil, em 1807, até ao fim da guerra civil de 1832-34, que envolveu os seus filhos D. Pedro e D. Miguel.
É talvez o período mais triste da história de Portugal. Tem-se discutido muito se a ida da família real portuguesa para o Rio de Janeiro foi um ato de cobardia ou um golpe de génio do então regente D. João (futuro D. João VI).
Para uns, D. João deveria ter reorganizado o exército português e resistido ao invasor. Para outros, deslocando a Corte para a América do Sul, o regente evitou cair nas mãos dos franceses e garantiu a independência da pátria.
A polémica é incompreensível.
Em primeiro lugar, a fuga não foi preparada – foi precipitada. Até ao último momento, D. João acreditou que os franceses não invadiriam Portugal. E porquê? Porque tinha satisfeito todas as exigências de Napoleão: tinha aderido ao bloqueio continental à Inglaterra, tinha expulso os ingleses residentes em Portugal e confiscado os seus bens.
Só quando as tropas francesas estavam perto de Abrantes é que D. João soube da invasão. E aí restavam-lhe duas hipóteses, ambas para ele assustadoras: ou cair nas mãos dos invasores (e aí vinha-lhe à memória a cabeça de Luís XVI a rolar no cadafalso em França) ou fugir para o Brasil, enfrentando os perigos do Oceano.
Mesmo assim, D. João hesitou: a viagem aterrorizava-o.
E o que fez, quando chegou ao Rio de Janeiro? Começou a preparar as coisas para um próximo regresso a Portugal? Nada disso. Acomodou-se, instalou a Corte o melhor possível e começou a construir um Estado à semelhança do que existia em Lisboa.
E quando os soldados franceses deixaram Portugal, em 1811, e depois a Península Ibérica, em 1814, o que fez D. João? Admitiu que deixavam de existir razões para continuar no Rio de Janeiro? Qual quê! Começou a pensar num pretexto para não deixar o Rio. Instado pelos ingleses a regressar ao reino, disse primeiro que sim – e quando eles enviaram uma esquadra para o transportar, esquivou-se. Recusou-se a embarcar.
E em 1815 acabou por inventar uma maneira de ficar no Brasil para sempre: criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Na prática elevava o Brasil à condição de reino, equiparado a Portugal, e ninguém o poderia criticar por instalar a sua sede no Rio de Janeiro.
Era uma situação definitiva.
Então como se explica o regresso de D. João a Portugal em 1821? – perguntará o leitor, com toda a razão.
É que a história que conhecemos não dá resposta a esta pergunta.
Mas ela é simples.
Após a revolução liberal de Agosto de 1820 no Porto, os revolucionários exigem o regresso de D. João a Portugal – mas ele, mais uma vez, recusa-se. Acaba por decidir mandar o filho primogénito, D. Pedro. Acontece que este tinha a mulher grávida e também acaba por recusar. E aqui é que se dá um episódio muito mal conhecido: D. Pedro organiza um movimento misto militar e civil com vista a empurrar o pai do Brasil para fora e mandá-lo de volta a Portugal.
Se dúvidas houvesse sobre este facto, um movimento de sinal contrário ocorrido dias depois, exigindo a permanência de D. João no Brasil, será reprimido violentamente pelo próprio D. Pedro, fazendo 30 mortos. Para este, a partida do pai era um facto assente. Ficaria ele como regente – e quem sabe se um dia mais tarde poderia ser mais do que isso…
Sem meios para resistir, D. João resigna-se. Desiludido e triste, acabará por regressar a Portugal com a mulher, Carlota Joaquina, e o filho D. Miguel – que chegados a Lisboa lhe farão a vida negra, acusando-o de fraqueza, de ser um factótum nas mãos das Cortes, e organizando várias conspirações no sentido de restaurar o absolutismo. E Carlota Joaquina acabará mesmo por encomendar a morte do marido, o que sucederá em 1826 (envenenado com arsénico).
Aqui temos, a traços largos, a história deste desgraçado rei. Um génio, como alguns o apresentaram? Nada disso. Um homem sem vontade própria, falho de energia, que navegou sempre ao sabor das circunstâncias, e contra o qual conspiraram a mulher e os dois filhos varões.
Em princípio, o livro chamar-se-á D. João VI e a desgraçada família. Que nome mais apropriado poderia haver?