Q’horror uma imobiliária!

A caça à imobiliária protege os verdadeiros corruptos e afasta os poucos corajosos que ainda se dispõem a ir para a política.

Quando escolhi o título para esta coluna semanal, Política na Bimby, nunca imaginei que o conceito fosse tão rapidamente adotado pelos agentes políticos. Os últimos acontecimentos mostram que já não se trata de fazer política. Juntam-se no mesmo tabuleiro os ingredientes certos: uma imobiliária ou uma empresa que possa ser confundida com isso, uma lei, uma pitada de demagogia, mistura de casos de corrupção a gosto, mete-se tudo na Bimby e sai um escândalo perfeito. A receita dá para várias refeições até ao próximo escândalo.

A polémica das imobiliárias e da lei dos solos, tresanda a manipulação. À boleia de um caso, o do secretário de Estado Hernâni Dias, que se demitiu, e bem, por ter tido a falta de senso de abrir duas empresas imobiliárias, enquanto exercia funções governativas, os jornalistas, primeiro e a oposição depois, decidiram iniciar a caça às bruxas. O bom senso que faltou a Hernâni Dias faltou também aos novos inquisidores que quiseram ir buscar ao passado profissional do primeiro-ministro argumentos para o acusar de conflito de interesses.

No entender destes senhores, quem chega à chefia do Governo não pode ter um passado profissional, muito menos se for um profissional liberal, ou, se tiver tido o atrevimento de criar uma empresa, em vez de ser um simples empregado por conta de outrem. E se tiver cometido esse pecado terrível, de ter tido vida fora da política ou da função pública, então, tem de ir ao castigo e contar tudo: o que fez, por que fez, quem foram os clientes, quanto pagaram, como pagaram.

É tudo uma enorme estupidez, que compromete tudo e todos. Menos André Ventura, a empregada de limpeza do regime, que por acaso, antes de pegar na vassoura e no pano do pó, foi advogado fiscalista. Sabe o leitor o que faz este tipo de advogado? Eu explico. Em juridiquês chama-se planeamento fiscal, em português vernáculo chama-se fuga ao fisco. Muitas vezes são estes senhores que se especializam em fazer sair do país grandes quantidades de dinheiro para os famosos offshores. Será que Ventura está disponível para nos contar quem foram os seus clientes, quanto ganhou e que serviços prestou? Eu tinha alguma curiosidade em saber.

Como muitos dos leitores saberão sou filha de um político. O meu pai foi ao longo de dez anos Presidente da Câmara de Lisboa, cada um terá a sua opinião sobre o trabalho que fez, mas nunca ninguém levantou dúvidas sobre a sua honorabilidade. E bem, para quem tivesse dúvidas, deixou aos seus seis filhos uma casa de férias comprada bem antes de entrar na vida pública. Trago o seu exemplo a este artigo, porque muitas vezes me tenho interrogado se, à luz da gritaria atual o meu pai não seria hoje acusado de ser um “corrupto como os outros que ao longo de cinquenta anos arruinaram o país”. O meu pai era amigo, almoçava e jantava com alguns dos maiores construtores civis da cidade. Manteve o atelier em que exercia a sua atividade profissional durante o tempo em que esteve à frente da CML. Trouxe para a cidade alguns dos engenheiros e arquitetos com quem tinha trabalhado na sua atividade profissional. Quantas manchetes de jornal e quantos pedidos inquisitórios de esclarecimento é que isto não daria nos dias de hoje?

A discussão em torno das imobiliárias dos políticos e dos clientes do primeiro-ministro só tem uma consequência, a fuga, em massa, de cérebros disponíveis para exercer funções públicas. Sobram caciques nos partidos, deputados do Chega e funcionários públicos.