O que ele não era

A sua natureza iconoclasta – de virar o mundo do avesso para o entender, se necessário – fazia do seu jornalismo um constante exercício de liberdade, com custos, claro, mas admiradores, sem dúvida.

Nunca trabalhei diretamente com o José António Saraiva, mas coincidimos em projetos, em edifícios e em conversas.

Fiz todo o meu estágio profissional de jornalista no semanário SOL, que fundou e que aconselhava editorialmente quando lá trabalhei.

Era uma figura discreta, mas disruptiva; reflexiva, mas corajosa. Lamentou-me várias vezes as pessoas terem perdido o respeito pela política, incluindo os próprios políticos.

Tinha uma noção apurada do que as pessoas pensavam sobre ele, mas, quando a crítica surgia, não a levava a sério.

Lembro-me perfeitamente de me perguntar pelas ‘novidades do PSD’, o partido que eu cobria, e acabarmos a falar de literatura e viagens. «As pessoas chamam-me reacionário, mas não me conhecem. Não tenho nada de conservador», dizia-me. «Basta ir a minha casa para perceber isso», ria-se, sem dar grande importância aos divergentes.

O seu gosto por arte, por cores, pelo abstrato, eram a sua prova de cosmopolitismo.

Essa não era, todavia, a característica que mais o aproximava das democracias livres. A sua natureza iconoclasta – de virar o mundo do avesso para o entender, se necessário – fazia do seu jornalismo um constante exercício de liberdade, com custos, claro, mas admiradores, sem dúvida.

É com carinho que guardo a memória de ver a Carolina Silva imprimir a sua página de opinião, tal e qual como seria impressa no jornal, para que o Arquiteto pudesse ver o seu texto, não pelo conteúdo, mas pela forma. Os parágrafos curtos. A lógica quase geométrica da política, pontuada por uma constante impaciência com a mediocridade.

Aos seus filhos e netos, deixo um abraço sentido, com admiração.

Aos seus leitores, a certeza de que partiu ontem o homem mais livre do jornalismo português em democracia.

Aos que trabalharam com ele, a gratidão de me terem permitido aprender com quem lhes ensinou o mais importante: sermos livres.