Isto está que dá medo

Enquanto o mundo se vira de pernas para o ar, por cá preferimos falar sobre a Carochinha e o João Ratão.

Imprevisível, é a palavra dominante dos tempos modernos. Passamos a vida a falar de segurança nas cidades e no país, mas o que verdadeiramente está inseguro é o mundo. Qualquer ponto do globo para onde olhemos parece um barril de pólvora prestes a explodir e diante do perigo que espreita a cada esquina, preferimos entreter-nos em discussões espúrias ou a bater papo nas redes sociais.

Respira-se no ar a sensação de fim de ciclo e isso, na história, corresponde quase sempre a guerra. O surgimento de personagens histriónicos, como Donald Trump, que prometem pôr o mundo na ordem de acordo com a sua própria lógica, também não é novidade. É só esquisito que a esta altura da história da humanidade, com tudo o que já conhecemos do passado, estejamos de novo na mão de um louco que não hesita em provocar tudo e todos. Que resultado é que tudo isto vai dar? Ninguém consegue prever exatamente.

O nosso futuro, de todos nós, mesmo aqui neste cantinho da Europa, onde achamos que estamos protegidos, está pendente de umas chamadas telefónicas entre um doido e um tirano. Não sei se têm fundamento as teses de que Putin ajudou Trump a chegar a Presidente dos Estados Unidos, mas sei que o senhor de Moscovo acha que pode comer as papas na cabeça do senhor da América. E também sei que o senhor da América, independentemente do caminho que escolha para o conseguir, nunca admitirá ficar na fotografia como um derrotado. Se o preço a pagar for ficar de braço dado com Putin, para espicaçar Xi Jinping, oferecendo a Europa de bandeja, esse preço será pago.

O maior problema de Trump é não perceber que não há soluções fáceis para problemas que são complicados e se prolongam há séculos. Se bastasse falar grosso e prometer loucuras, o mundo estaria à beira da paz eterna. Mas não é assim. Para agradar à Rússia, a América vai enfurecer a China. Para agradar a Israel, a América vai enfurecer o mundo Árabe. E, entretanto, o mundo toca a rebate: é preciso armar e armar depressa. Nunca se sabe quando vai ser preciso puxar o gatilho. A única coisa que todos já perceberam, embora só o digam baixinho, é que os Estados Unidos deixaram de ser confiáveis e estão a transformar-se num rastilho não para Make America Great Again, mas para Make War, Not Peace. Ninguém pode dizer conscientemente que se sente seguro. E isso assusta e muito.

Por cá preferimos não fazer disto tema. Por inconsciência ou instinto de sobrevivência continuamos a achar que a imprevisibilidade do mundo é um problema lá deles. Do Trump, do Putin e do Zelensky. Sim, porque de tão distraídos que andamos, nem sequer fazemos a ligação para os impactos que tudo isto tem nos equilíbrios de forças que até aqui nos têm garantido algum tempo de paz.

Qualquer cenário de maior investimento na Defesa, ou falar em botas no terreno, é ‘extemporâneo’, garantem os nossos governantes. O último debate desta nano-legislatura foi sobre o Conselho Europeu convocado para discutir estas matérias. Basta olhar para as imagens da televisão para perceber o quão longe estamos todos nós, a começar pelo poder político, da realidade. Bancadas a meio gás, líderes ausentes, discursos relegados para segundas ou terceiras figuras dos partidos.

Espero para ver quantos minutos de debate e parágrafos nos programas eleitorais serão dedicados à forma como Portugal se deve preparar para um mundo que já está de pernas para o ar e que vai ficar pior.