Há uma enorme discrepância entre aquilo que dizem os especialistas em política internacional e aquilo que vai na cabeça do comum dos mortais. Dia após dia estes especialistas vão avisando a quem os quer ouvir que o mundo está perigoso, que a paz está periclitante e que o equilíbrio de forças que conhecemos está a desaparecer. Há uns meses era impensável ouvir um chanceler alemão dizer que os EUA não são um aliado de confiança, ou um Presidente francês falar de intervenção militar e investimento em armamento ou mesmo um primeiro-ministro inglês afirmar que serão enviadas forças militares para um teatro de guerra na Europa. Hoje a única dúvida é saber quando é que isso vai mesmo acontecer. De resto, é como os impostos: uma inevitabilidade. No entanto, a população em geral não parece ter noção deste precipício. Parecemos um bêbado a sair de um bar sem noção de que não está em condições de ir a guiar para casa. O mais angustiante quando lemos livros de História é sabermos o que acontece a seguir e somos invadidos por aquele nervoso que nos faz querer viajar no tempo para avisar a dimensão do cataclisma que está prestes a acontecer. Uma das principais razões que levaram à Grande Guerra foi vontade bélica dos mais novos que já não tinham memória de guerra, que apenas associavam as batalhas sangrenta a grandes feitos eterizados em grandes obras de arte. Na II Guerra Mundial, foi a irracionalidade em não querer voltar a mergulhar o mundo num pesadelo e achar que um tirano ia só ali à Checoslováquia e à Áustria passear mas voltaria cedo para casa. Foi como dar carne crua a um leão e achar que assim o domesticava.
Segundo os especialistas, cada vez mais preocupados, nervosos e abatidos que entram todos os dias em nossas casas para nos ajudar a ler os sinais, tudo indica que a História pode repetir-se. Como, em que moldes e como evitar uma nova tragédia em solo europeu, ninguém sabe. E como ninguém sabe, por cá discute-se os jacarandás, a empresa do primeiro-ministro, cartazes e o tabu do Almirante. Foi em pouco tempo que o farol do mundo se apagou, a América, agora é Trump e ninguém, por mais boa vontade que tenha, consegue associar Trump a qualquer rasgo de paternalismo a que todos os líderes americanos nos habituaram. Perante este cenário, já todos percebemos que a Europa tem de voltar a ser Europa, é o que nos resta. A olhar para a sua História, a ter orgulho na sua cultura, povos, riqueza e valores. E o problema é esse: já são muitas as gerações europeias que cresceram à sombra e aculturados pelos EUA e não tanto com orgulho no que representa o Velho Continente, ao qual se passou a chamar União Europeia, construída aos solavancos de cima para baixo. Pelo caminho, ficaram os valores que ninguém sabe quais são, os desígnios nacionais que já não sabemos identificar e até o francês e a cultura europeia que ninguém fala ou aprende. As nossas gerações cresceram entre os filmes do faroeste e os McDonalds: sabemos mais da história americana do que a história da Polónia, da Grécia ou da Suécia. E muito menos a da Ucrânia.
Se um dia, que parece cada vez mais próximo, alguém nos pedir ou exigir que enviemos os nossos filhos para um campo de batalha, não saberemos porquê, para defender o quê e com que objetivo. A grande batalha vai ser essa: para se defender o que quer que seja é preciso saber o que representa e o valor que damos aquilo que nos leva a lutar. O grande aliado da Rússia é esse desconhecimento.