Quando os extremos se tocam

Nos cerca de cem anos que ali estiveram, os portugueses deixaram uma marca assinalável no Japão. Mas há um outro contributo menos conhecido de que podem justamente orgulhar-se.

Na passada semana falámos aqui, a propósito de Nanban-Jin – Os Portugueses no Japão, de Luís Filipe Thomaz (ed. Gradiva), sobre «a lenta aproximação dos extremos». Hoje falaremos sobre o momento em que esses extremos se tocam.


O encontro deu-se em 1543, quando «desembarcaram na ilha de Tanegaxima, no extremo sul do arquipélago, os primeiros aventureiros portugueses, vindos de Fuquiem, na China», diz-nos Thomaz.
Circulavam rumores de que o Japão (palavra que nos chegou por via do malaio Jepun, uma simplificação de jìh-pên-kuó, ‘país do sol nascente’) seria rico em ouro, o que acabou por não se verificar. Em contrapartida, abundava a prata, escassa na China – e além do mais estes dois países não mantinham contactos diretos, pelo que os mercadores portugueses se depararam aí com uma apetecível oportunidade de negócio.


Portugueses e japoneses – ou japões – estranharam-se mutuamente. Nem podia ser de outra maneira. As feições eram coisa nunca vista e os costumes também. Mas talvez não fossem tão diferentes uns dos outros quanto se poderia esperar. São Francisco Xavier, o jesuíta que deu início ao processo de evangelização daquele povo, escreveu que «parecem segundo os costumes e viveza d’engenho mui conformes a nós outros» (e talvez não escapem aqui ao leitor português algumas semelhanças com a língua espanhola).


Outro padre jesuíta, João de Lucena, discípulo de Xavier, elogiava «serem no estremo corteses e comedidos uns com os outros sem exceição de pessoas». E mais adiante: «No entendimento, que é tudo no homem, não lhes fazem ventagem os melhores de Europa; e deixa-se bem ver nos moços Japões que em menos tempo e muito mais facilmente aprendem a ler e a escrever na nossa letra e língoa que os nossos próprios portugueses». Este é outro dado curioso, uma vez que a aposta na educação foi um dos motivos do sucesso do Japão moderno.


Voltemos a dar a palavra a Thomaz: «Foi a admiração dos jesuítas pelas qualidades dos japoneses que os levou a aceitá-los, desde os primeiros tempos, no seu próprio seio como noviços, recrutando assim no Japão um numeroso clero local».


A presença portuguesa no Japão terminou de forma dramática alguns anos depois do massacre de Nagasáqui, em 1622-23, em que pereceram «milhares de cristãos, queimados vivos ou decapitados». Nos cerca de cem anos que decorreram entre 1543 e 1639, data da expulsão definitiva, deixaram uma marca assinalável, atestada por várias palavras do vocabulário japonês.
Mas há um outro contributo menos conhecido, de que os portugueses podem justamente orgulhar-se. Foram os jesuítas que em 1571 fundaram Nagasáqui junto ao porto onde os navios portugueses acostavam. «Se, quando no final da última grande guerra Nagasáqui foi atingida por uma bomba atómica, o número de vítimas foi aí bem menor que em Hiroxima, foi porque a cidade era, como também Macau, construída à maneira Mediterrânica, virada para o mar e adossada às colinas, que em parte a protegeram do queimor imenso», revela Thomaz.


Em Hiroxima, que era uma cidade plana, a onda de calor propagou-se sem obstáculos. Nagasáqui, abrigada pelas colinas, resistiu melhor aos efeitos da bomba. Quem poderia imaginar que, 402 anos depois da chegada dos portugueses ao Japão, os efeitos da sua presença ainda se fariam sentir de forma tão palpável?