Política não é ciência

Na semana do apagão recordei eventos passados com igual potencial para mudar o quadro político.

Estava em Espanha uma semana antes dos atentados de Atocha no dia 11 de março de 2004. As eleições legislativas no país vizinho ocorreriam daí a 15 dias e nessa altura os resultados pareciam certos. Todas as sondagens indicavam que José Maria Aznar, o líder do PPE (Partido Popular Espanhol) que estava no governo na altura, venceria as eleições por larga margem. O PSOE (Partido Socialista Obreiro Espanhol) de José Luís Zapatero estava muitos pontos atrás e a derrota parecia certa.

Uma semana depois tudo mudou. O brutal atentado numa das principais estações ferroviárias de Madrid que matou 193 pessoas e feriu 2050 virou do avesso o ambiente político em Espanha.

Logo após o acontecido,  governo de Aznar precipitou-se a atribuir responsabilidades à ETA (a organização separatista basca que anos antes atormentava a sociedade espanhola com inúmeros atentados). Para além de não se confirmar a autoria do atentado que foi reivindicado pela Al-Qaeda, as explicações erradas do governo foram percecionadas pelo eleitorado como uma forma de o PPE tentar tirar proveito eleitoral da tragédia, distorcendo e ocultando informações.  O PSOE_escalou a narrativa e, três dias depois, Zapatero  venceu umas eleições para as quais tinha partido como o derrotado mais que seguro, provando que em política tudo pode mudar muito rapidamente e aquilo que parece certo de manhã, pode ser radicalmente diferente ao fim do dia.

Lembrei-me deste episódio a propósito do apagão que vivemos esta segunda-feira. Os factos ocorridos ao longo daquelas 12 horas, embora não comparáveis à tragédia do 11 de março em Espanha, tiveram o potencial para alterar os dados das eleições que teremos daqui a pouco mais de quinze dias.

Sem querer adivinhar o que vai acontecer, nem que peso têm na opinião pública as críticas que, sobretudo os partidos da oposição, têm feito à forma como o governo lidou com a situação, parece-me relativamente óbvio que a regra no news is good news, favoreceu o governo. A verdade é que qualquer erro grave, qualquer falha em serviços essenciais, quaisquer acidentes pessoais ou mesmo mortes ocorridas por causa do apagão, teriam sido fatais para o governo e para a AD. Montenegro teve consciência disso logo nos primeiros minutos e trabalhou para que isso não acontecesse. Às críticas que surgiram da oposição, respondeu com a ausência de ocorrências, ao contrário do que aconteceu em Espanha.

Não tendo havido nada a reportar, pelo menos que se saiba até ao momento, e tendo a luz regressado ao país ao pôr do sol, o apagão fica na memória e servirá sobretudo como teste à liderança, ou falta dela, de Luís Montenegro.

Nesta campanha em que, mais do que grandes discordâncias políticas, como se viu no debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro esta semana, o que está em causa é saber quem é mais confiável para chefiar o governo.

As circunstâncias que ditaram o desenrolar dos acontecimentos terão sido em grande medida alheias à ação do governo, mas tal como aconteceu, este episódio caiu que nem ginjas a Montenegro. Sorte? Talvez. No fim do dia o apagão acabou por ser um apagãozinho que serviu para algumas anedotas e para um saudável convívio entre vizinhos, num regresso a tempos antigos que tinham o seu encanto. Tivesse o apagão passado para o dia seguinte e a conclusão desta história poderia ser bem diferente. Se calhar a AD não ganhou votos com este episódio, mas não os tendo perdido, Pedro Nuno Santos não teve a sorte que há vinte anos ditou a vitória inesperada de José Luís Zapatero.