Como o PS e o BE ‘alimentaram’ o Chega

O PS perdeu 365.507 votos, o BE passou de 274.029 para 119. 211 (menos quatro deputados, só restou Mariana Mortágua e menos 154.818 votos). A CDU perdeu um deputado, tem agora três, e viu voarem mais 21.382 votos. Se juntarmos o PAN, que passou de 118.579 para 80.850 (37.729 votos). Juntos, perderam 579.436 eleitores.

Quando há uns anos estava a entrevistar André Ventura e ele me disse que queria ser primeiro-ministro e que chegaria rapidamente aos 20%, antes de chegar a São Bento, perguntei-lhe se estava a beber o mesmo vinho que eu, pois temi que o mesmo lhe estivesse a fazer algum efeito alucinogénico. Três ou quatro anos depois, o Chega torna-se, tudo o indica, a segunda formação política em número de deputados, e assim sendo eu é que desvalorizei o seu discurso. Neste momento, sem os quatro deputados ainda apurados da Europa e do resto do mundo, o Chega e o PS têm 58 deputados, sendo que em 2024, o partido de André Ventura conseguiu dois deputados, enquanto o PS se ficou por um.

A noite eleitoral implicou a queda de Pedro Nuno Santos da liderança do PS, partido que sofreu uma das maiores derrotas da sua história, tendo passado de 1.759.998 votos para 1.394.491. Só em Lisboa os socialista viram voar mais de 64 mil eleitores, enquanto no Porto a queda ainda foi mais vertiginosa: menos 74 mil votos.  Dos 77 deputados de 2024, o PS deverá passar para 59, isto se conseguir eleger um deputado na Europa ou no resto do mundo. Na hora da despedida, Pedro Nuno Santos explicou que nunca suportará um governo da AD que viola os seus princípios e por isso dará o lugar a outro. Já ontem, quando comentava as eleições na TVI/CNN, Sérgio Sousa Pinto não foi meigo para o líder do PS. «O futuro do PS está em causa. Ou o PS entende que tem de acabar com esta direção, ou esta direção acaba com o partido. É tão simples como isso», disse o antigo líder da Juventude Socialista, antes de saber da demissão de Pedro Nuno Santos.

Já a AD, que foi a vencedora da noite, ficou muito longe da maioria absoluta, mesmo com os deputados da Iniciativa Liberal – no máximo deverão chegar aos 98. A AD tem 89 deputados e a IL 9, aumentou um. Como é óbvio, o Presidente da República deverá dar posse a um governo liderado por Luís Montenegro, que, ao que tudo indica, deverá ter ministros da Iniciativa Liberal. Mas isso são histórias de outro rosário.

Olhando para a garrafa meio cheia, o Chega foi o grande vencedor da noite, passou de 50 para 58 deputados, e poderá chegar aos 60, tornando-se então na segunda força do hemiciclo. Além da AD, que ganhou as eleições, sendo por isso inevitavelmente um dos vencedores, também o Livre foi outro dos vencedores da noite, aumentou o número de deputados de quatro para seis, tendo conseguido mais 50 mil votos.

Falemos agora de números: AD, Chega e IL conseguiram mais 395.628 votos do que em 2024. Já à esquerda, as perdas foram ainda maiores. O PS perdeu 365.507 votos, o BE passou de 274.029 para 119. 211 (menos quatro deputados, só restou Mariana Mortágua e menos 154.818 votos). A CDU perdeu um deputado, tem agora três, e viu voarem mais 21.382 votos. Se juntarmos o PAN, que passou de 118.579 para 80.850 (37.729 votos), mas manteve a deputada Inês Sousa Real. Juntos, perderam 579.436 eleitores.

Quanto ao Bloco de Esquerda, que viu muitos dos mais de 150 mil votos perdidos irem para ao Livre, falhou em toda a linha, nomeadamente com o regresso dos ‘dinossauros’ Francisco Louçã, por Braga, Luís Fazenda por Aveiro e Fernando Rosa em Leiria. Louçã ‘conseguiu’ perder mais de 11 mil votos, Fazenda viu o partido passar de 17.110 votos para 7.015. Já Fernando Rosas, neste seu regresso às lides eleitorais, viu o BE passar de 11.736 votos para 5.099. Não se pode dizer que tenham sido reforços de peso…

A Iniciativa Liberal  é que manteve quase tudo na mesma: Dos 312.064 votos em 2024 chegou aos 330.149 votos, conseguindo eleger mais um deputado.

No reino do sul

Olhando para os números, facilmente se perceberá que é a esquerda que tem alimentado o Chega. Se há uns anos foi o eleitorado do PCP que transferiu o seu voto para o partido de André Ventura, agora é o PS e até o BE que veem os seus eleitores dizerem Chega. Vamos a alguns factos indesmentíveis, e comecemos pelo sul. No distrito de Faro, que o Chega já tinha ganho em 2024, o partido de Ventura passou de 64.228 votos para 78.168 (mais de 13.940), conseguindo eleger mais um deputado – ficou com quatro. A AD que passou de terceira força política para segunda, conseguiu mais 6.468 votos. E o PS? Perdeu 12.830. E o que se passou com o BE? Tinha tido 13.579 votos em 2024, agora desceu para 5.724 (menos 7.855)

Passemos a Beja, terra onde o PS não perdia há muitos anos. Dos 24.408 votos de 2024, passou para 19.536 (menos 4.872), tornando-se a segunda força partidária. Já o Chega aumentou de 16.595 para 20.447 (mais 3.852). A AD continuou em terceiro lugar, mas teve mais 2.517 votos. E o BE? De 3.393 ficou com 1.365 (menos 2028).

Continuemos no Alentejo, agora em Évora onde o PS conseguiu manter o primeiro lugar, tendo, no entanto, passado de 29.309 votos para 23.616 (menos 5.693). E quem ganhou esses votos? O Chega que de 17.846 chegou aos 21.080 (mais 3.234). A AD, que trocou de lugar com o Chega, mesmo assim teve mais 1021 votos do que em 2024. E o BE? Passou de 3.816 para 1.487 (menos 2329).

Passemos agora para Portalegre, outro outrora bastião socialista. Se o PS tinha vencido, naturalmente, em 2024, com 20.658 votos, agora ficou-se pelos 16.125 (menos 4.533). O Chega, que venceu o distrito, subiu de 14.915 para 17.220 (mais 2.305). A AD, que manteve o terceiro lugar, ‘sacou’ também 1326 votos ao PS – passou de 14.132 para 15.458. E o BE? De 1.894 chegou aos 733 (menos 1161 votos).

Mas vamos à vitória mais surpreendente do Chega, que foi em Setúbal.  Outrora um dos bastiões comunista, o distrito do choco frito, viu o Chega chegar aos 129.569 votos, contra os 102.077 de 2024 (mais 27.492 votos). O PS que ficou sem o primeiro lugar, perdeu 34.487 votos. A AD ficou no último, lugar do podia, mas teve mais 16.884 votos. E o BE? De 30.161 votos desceu para 13.068 (menos 17.093). Aqui o Livre conseguiu eleger um deputado. Os outros foram três em Lisboa e dois no Porto.

Não é pois preciso ser um mestre em transferências de voto para se perceber que o Chega – e a AD – se alimenta, sobretudo, da esquerda. Basta ver que no Alentejo a AD nunca foi popular, e depois da queda do Partido Comunista, o PS tomou conta dos distritos alentejanos. Agora, só Évora resistiu, tudo o resto foi varrido pelo Chega.

Para se vincar ainda mais a transferência de  votos do PS para o Chega, vejamos o caso de Lisboa: o PS tinha ganho, em 2024, com 365.838 e agora passou para segundo, com 301.492. Perdeu 64.346 votos. O Chega manteve-se no terceiro lugar, mas conquistou mais 41.078 votos – surpreendente é mesmo a vitória do partido de André Ventura em Sintra… Também aqui não é preciso ser mágico para perceber que as zonas que têm mais ciganos votam maioritariamente no Chega… A AD que afastou o PS da liderança, conseguiu mais 5.808 votos. E o BE? De 65.438 votos passou para 29.914 (menos 35.524).

Falemos do Porto. A AD reforçou a sua votação, mais 36.510 votos, o Chega manteve o terceiro lugar, mais 55.896 votos, enquanto o PS perdeu 74.291! E o BE? De 51.909 ficou-se pelos 22.192 votos (menos 29.717). Em Braga a história não foi muito diferente: A AD teve mais 13.527 votos, o PS manteve o segundo, mas com menos 31.570 . O Chega cresceu 26.091. E o BE? De 21.388 caiu para os 10.029 (menos 11.359).

A surpresa da Madeira

Neste primeiro resumo da noite eleitoral, diga-se que na Madeira o Juntos Pelo Povo (JPP) conseguiu eleger o seu primeiro deputado para a Assembleia da República. A AD conseguiu mais 4.455 votos, o Chega que ultrapassou o PS, teve mais 2.742 votos, enquanto o PS perdeu mais 11.019 eleitores. Mas na Madeira há um fenómeno curioso, pois os madeirenses olham para as eleições regionais, a que elege o presidente do Governo local,  de forma diferente das Legislativas. Nas Regionais, de 23 de março último, que reconduziram Miguel Albuquerque na liderança da ilha, o PSD sozinho conseguiu 62.085 votos. Agora, como AD, só chegaram aos 57.447, embora este número seja bem mais generoso do que o alcançado nas últimas legislativas de 2024 . A 23 de março, o segundo partido mais votado foi o Juntos Pelo Povo (JPP) que convenceu mais de 30 mil madeirenses a votarem nas suas listas. O PS tinha ficado em terceiro lugar com 22.355, enquanto o Chega não tinha ido além do quarto lugar com 7.821 votos. Menos de dois meses depois, o Chega consegue chegar aos 29.038 votos e ficar com o segundo lugar. O PS alcançou o terceiro e o JPP o quarto lugar, mas que, apesar de tudo, lhe permite eleger um deputado.

Se o Chega surpreendeu em muitos distritos, há um que ainda está longe de conseguir convencer as gentes de Bragança – é o único distrito onde o Chega não consegue eleger nenhum deputado, embora a distância para o PS esteja a diminuir.

Por fim, diga-se que ontem votaram 5.965.322 pessoas, num universo de 9.265.493 inscritos, quando em 2024 tinham ido às urnas mais 174.947 eleitores. E só havia mais 5.986 nomes nos cadernos eleitorais.