O Matuto mantém com as pastas de dentes uma relação afectuosa. Acarinha diariamente um exemplar entre os dedos, mas apenas por cordialidade. A gentil esposa do Matuto, Dona Sirlei, é quem faz a verdadeira gestão da higiene bucal na ‘Casa das Pontes’.
Foi com espanto sincero que o Matuto deu de caras (literalmente) com uma pasta à base de “carvão ativado”. De cara à banda e dentes em riste o Matuto lavou os dentes (escovar os dentes, no Brasil, por favor). No final, aquele sabor inclemente de lareira em coma, na boca. Mais modernices – lamentou o Matuto.
Entretanto, o Matuto foi devidamente actualizado nestas andanças, pela visita conservadora das ‘Pontes’. A Belinha revelou que estudos recentes davam conta de como o carvão branqueia os dentes. Parece que o carvão tem a capacidade de absorver as toxinas que causam manchas. O Matuto não ficou muito impressionado e chutou para canto esta informação, como mais uma barbaridade dos Brasileiros. É conhecida a obsessão dos Brasileiros por ostentar dentes brancos, branquíssimos. A tal ponto que é fácil distinguir um jogador Brasileiro nos jogos de futebol na Europa. Basta procurar a boca mais resplandecente. O seu brilho ofusca tanto espectadores como adversários. Boa táctica! Mas, adiante.
O Matuto é um acérrimo defensor da Pasta Medicinal Couto. Está lá tudo o que a dentadura humana exige: o flúor e o mentol. O flúor – o agente aristocrático que evita a cárie, e as “afecções da boca”; e o mentol para dar aquele saborzinho sóbrio e elegante. De que mais precisam os dentes dum homem? – abocanha o Matuto! Não é que o Matuto queira fazer um número de circo com a cadeira a rodopiar nos dentes – como o negro do anúncio à Pasta Couto. Mas o Matuto não aguenta mais ter a boca com sabor de churrasco, sem trincar uma picanha ou um filezinho. Um magote de reacções Pavlovianas que deixam um amargo de boca.
Na memória gustativa do Matuto o flúor anda a par e passo com o iodo. Da mesma forma que o iodo era o remédio universal para todas as maleitas do corpo, fossem elas reumatismos, bronquites crónicas, asma, dores lombares ou sinusites persistentes; assim também o flúor resolvia todos as mazelas bucais. Manchas, achaques molares, cáries, dentes tortos, mau hálito, caninos em anzol, incisivos rombos, etc. De tudo o flúor dava conta. Um pouco como os comprimidos para dormir, de hoje em dia – medita o Matuto. O iodo aspirado traz consolação feita de sargaços e águas minerais. O flúor mordiscado recheia a boca de vapores frescos e mentolados. E os comprimidos enviam a mente para aquele ambiente apenumbrado e emoliente de quem quer apenas esquecer.
O Matuto sente no corpo que chegou aquela época do ano em que os veraneantes demandam a Praia da Parede e as suas benesses terapêuticas. É hora de aconchegar as discretas mantas à volta das pernocas. É hora de multidões de narinas receptivas, se abrirem às ondas de odores salgados. É hora de apreciar o sol tépido nos ombros. É hora de satisfazer o apetite ancestral por esse regulador da tiroide: o iodo. Não basta a ingestão de algas, peixes e lacticínios. É urgente a experiência da areia nos pés, a visão dos rochedos, a marginal, e aquele mar no fio do horizonte.
E é isso: o Matuto, o iodo e o flúor. Três velharias à espera da eternidade. Que venha o carvão, que venham os sorrisos fluorescentes… o Matuto que já dobrou muitas esquinas na vida, queda-se pela ‘Casa das Pontes’ a mastigar o futuro. Mesmo que ele venha sem dentes, uma mantinha sempre se arranja – garante o Matuto.