Lá diz o povo que quem não tem cão caça com gato e eu às vezes, não podendo viajar, entretenho-me com um passeio pelas páginas de um livro. Abro o meu guia Fodor’s de 1993 – «honesto, rigoroso e atualizado ao minuto» – e no mesmo instante estou no movimentado centro de Tóquio, sem ter de passar por aeroportos nem por aborrecidas filas para revista da bagagem, para não falar de umas vinte e tal horas metido num lugar apertado de avião.
E que melhor lugar para começar um passeio pela capital japonesa do que Shimbashi, o antigo bairro das gueixas?
Tendo conhecido o seu período áureo em finais do século XIX ou princípios do XX – quando havia umas 80 mil gueixas no país -, «a sua reputação como bairro do prazer é ainda mais antiga», diz o meu guia. «No período Edo, quando havia aqui uma rede canais e vias aquáticas, o cúmulo do luxo era alugar um barco coberto […] para um cruzeiro no rio; um restaurante local forneceria a comida para a excursão e uma casa de gueixas forneceria a companhia». Um dos grandes entusiastas desses cruzeiros era Kinokuniya Bunzaemon (1669-1734), o excêntrico milionário e comerciante de madeiras que não se cansava nem de comida e bebida nem de prostitutas. Há quem diga que morreu na miséria, mas talvez não passe de um boato que ele próprio alimentou.
Leio no meu guia que ainda hoje, «de tempos a tempos, os jornais deleitam-se a relatar que um distinto viúvo, político ou capitão da indústria, se casou com uma gueixa de Shimbashi – na vã expectativa de que será tratado em casa como o foi no restaurante»…
A dois passos do reduto das gueixas fica o famoso mercado de Tsukiji, onde ao raiar do dia decorrem animados leilões de atuns, que atingem preços fabulosos. Em 2019, um atum rabilho de grandes dimensões foi vendido por três milhões de dólares! Outra iguaria muito apreciada pelos japoneses é a carne de baleia, que os entendidos gostam de comer crua, cortada em fatias finas.
Deixando o mercado em direção a nordeste, acima do Hospital Internacional de S. Lucas, encontramos o antigo bairro dos expatriados. Foi aqui que, em finais do século XIX, um missionário e médico cirurgião escocês chamado Henry Faulds fez uma descoberta surpreendente. Os relatos divergem. Segundo o meu guia, «intrigado pelo costume japonês de usar as impressões digitais para autenticar documentos, iniciou a pesquisa que estabeleceu pela primeira vez que não há duas pessoas com impressões digitais idênticas». Noutro lugar leio que Faulds se apercebeu disso numa visita a uma escavação arqueológica, em que notou que as marcas dos dedos dos oleiros tinham ficado gravadas para sempre nos potes de barro.
Fosse como fosse, o médico escocês percebeu que mesmo que era uma marca distintiva e que mesmo se se cortasse a pele da ponta dos dedos, o padrão mantinha-se igual. A oportunidade de testar a sua tese surgiu quando o seu hospital foi assaltado e as suspeitas recaíram sobre um seu conhecido que ele acreditava estar inocente. Compararam as impressões digitais e não correspondiam. Um segundo suspeito foi detido. Mais uma vez não havia correspondência. Ao terceiro suspeito, as impressões digitais batiam certo com as do local do crime. O homem confessou tudo.
Em 1880 Faulds escreveu um artigo para a revista Nature intitulado ‘Sobre os sulcos da pele da mão’, onde dava conta da sua descoberta. Seis anos depois, devido a um desentendimento no hospital e à doença da mulher, regressou à Grã-Bretanha, e ofereceu o seu método inovador à Scotland Yard, que o rejeitou.
Bom, e cá estamos nós de volta à velha Europa, depois de um passeio pelo bairro das gueixas, pelo mercado do peixe de Tsukiji e pelo bairro dos expatriados de Tóquio, à boleia de um guia turístico de 1993.
À boleia de um guia de 1993
Que melhor lugar para começar um passeio pela capital japonesa do que Shimbashi, o antigo bairro das gueixas?