- Apesar de todas as previsões e todas as sondagens, no domingo, os eleitores provocaram mesmo um verdadeiro tornado na vida política portuguesa. Os dados estavam no terreno e ninguém previu que o país estava no ponto para uma tempestade perfeita. Fartos de eleições, mas sobretudo fartos do estado a que isto chegou, o eleitorado considerou que este era o momento em que já não tinha nada a perder e decidiu arriscar em algo completamente diferente. Mérito de André Ventura que sentiu o ar do tempo e percebeu que os portugueses estavam prontos para dar ouvidos a alguém que não deixa os mesmos de sempre a jogarem o jogo da mesma maneira. Como me disse um dos novos eleitores do Chega esta semana: «assim sabemos que está lá alguém que os obriga a fazer as coisas de outra maneira. Já não é só o PS e o PSD e era mesmo isso que eu queria». Este eleitor, (que assimilou alguns dos argumentos do Chega, como não ter acesso ao SNS porque estão lá os imigrantes, ou estar a pagar impostos para outros estarem no café todo o dia), ficou contente com o resultado. Por enquanto ainda acha que o papel de André Ventura deve ser o de líder da oposição. Daí a começar a encará-lo como primeiro-ministro vai um salto muito pequeno.
- No ano zero de um novo tempo político, é importante que quem resistiu ao abalo, Luís Montenegro, perceba rapidamente que isto agora é diferente. Mudou tudo. Com melhores ou piores condições políticas, a AD está obrigada a governar bem. Tem de ser um governo reformador, mesmo sem ter os votos suficientes para tal. Acabou o tempo das jogadas políticas. A navegação à vista e o bodo aos pobres já deram o que tinham a dar.
3 . O governo da Aliança Democrática não pode cometer a asneira de ignorar o Chega e dar a mão ao PS. O pior que o líder da AD pode fazer é cair na esparrela de que o ‘não é não’ significa que não pode fazer entendimentos com o Chega, por exemplo em matéria orçamental. O PS, atordoado com a situação em que ficou, já começou a estender a passadeira vermelha a Montenegro, com o argumento nobre de não atirar a AD para as mãos do Chega. Mas o que os socialistas já perceberam é que a sua salvação está, pelo menos nos próximos tempos, em atirar-se para os braços de Montenegro. Depois de domingo, ninguém compreenderá que o governo faça cedências, por exemplo em matéria de redução de impostos (em que Chega e AD estão de acordo), ao PS.
- Diz a lenda que um dia, quando ainda eram os dois companheiros de partido, Montenegro elogiou os dotes políticos de Ventura e Ventura achava que Montenegro era o melhor líder para o PSD. Cada um deles lá sabe o que viu no outro e é bom que nos tempos que se aproximam se lembrem disso. Agora é que o líder da AD vai ter de mostrar as suas capacidades políticas, conseguindo governar para os portugueses e ao mesmo tempo negociando com um adversário que lhe preparará uma armadilha em cada curva do caminho. Ventura até agradeceria que a AD se virasse mais uma vez para o PS e esse é o favor que Montenegro não lhe pode fazer se quiser sobreviver às próximas eleições.
- Ainda é só uma suspeita, mas parece-me que o surpreendente resultado das eleições de domingo, pode também trazer surpresas para as eleições presidenciais. Partindo da célebre teoria dos ovos e dos cestos, os portugueses arriscaram pôr um ovo num cesto desconhecido, para ver que resultado dá. Será que querem correr dois riscos ao mesmo tempo? Apostar num partido novo e num Presidente que não conhecem não será risco a mais para um povo que gosta de jogar pelo seguro?