Ainda não são conhecidos os estudos pós-eleitorais que nos permitirão, com mais algum grau de certeza, perceber as razões que guiaram o eleitorado a fazer as suas escolhas nas eleições de 18 de maio. Um dos dados mais curiosos é perceber até que ponto a esofagia de André Ventura teve importância na decisão de voto de alguns eleitores.
A azia que afetou o líder do Chega nos três últimos dias de campanha eleitoral, parece ter-se esfumado por completo logo no domingo à noite. Nunca mais vimos Ventura de mão no peito, nem a fazer pausas no discurso para reganhar forças. O caso não era grave, trata-se com omeprazol, como vários especialistas explicaram logo após o primeiro achaque. Prova-se, portanto, que as televisões deviam ter tido outro cuidado editorial, não dando a um dos candidatos o protagonismo que deram, na reta final da campanha. Se os estudos eleitorais vierem a provar que isto teve uma influência decisiva nos resultados, então a comunicação social, em particular os vários canais de televisão, têm uma grande responsabilidade no resultado final.
De novo saudável, Ventura não fez pausa para descanso e, ainda antes de contados os votos já tomou a liderança na iniciativa política. Vai apresentar um governo alternativo (e não sombra, como era habitual designar quando o PS ou o PSD estavam na oposição) e vai convocar os partidos da direita (AD e IL), para um consenso base para o processo de revisão constitucional.
Nos nomes apresentados por Ventura para o tal governo alternativo, pode estar a chave do crescimento futuro do partido. Se os nomes forem credíveis e André Ventura os deixar brilhar (o que é, verdadeiramente, o mais difícil tendo em conta o histórico do partido que até hoje só teve espaço para uma estrela, o próprio líder), o partido pode ganhar credibilidade junto de novos eleitores.
No processo de revisão constitucional, Ventura já ganhou. Ao apresentar propostas, calendários e bases de entendimento. Obriga o PSD a vir a jogo. Com a estratégia de dizer que o assunto não é prioritário, Montenegro, ou Hugo Soares, já fizeram o primeiro erro de cálculo e deram a liderança do processo ao Chega. Uma das lições que os líderes da AD deviam aprender, é que Ventura não dorme, nem descansa. Do lado do governo é preciso ter a guarda permanentemente montada para não ser apanhado na curva.
Do outro lado da barricada política a confusão é total. O PS quer dar sinais de unidade, mas os sinais vão de mal a pior. Os responsáveis que vamos ouvindo de viva-voz, de Medina a Mariana Vieira da Silva, passando pelo histórico Manuel Alegre, quando se referem a José Luís Carneiro, limitam-se a um disfarçado «é o que temos».
Do antigo núcleo duro de Pedro Nuno Santos chegam lamentáveis notícias de traição, afinal o líder fez tudo sozinho e mais ninguém teve culpa.
A cereja no topo do bolo chega-nos do ISCTE, escola berço de grande parte dos ministros dos últimos governos socialistas. Um estudo coordenado pelo Ex ministro do PS, Pedro Adão e Silva, vem mostrar que o que a maioria dos portugueses deseja mesmo é um novo referendo à regionalização. Os portugueses que há quinze dias disseram que estavam fartos de tachos e tachinhos, afinal disseram aos professores do ISCTE que querem mais umas dezenas de estruturas políticas. Se isto não é propaganda não sei o que é.
Tudo somado, fico a achar que a azia que atormentou André Ventura, aterrou em cheio no Largo do Rato.