As perceções

É pouca a tolerância do Islão mais moderado, enquanto o fundamentalista equivale ao cristianismo do tempo da Inquisição.

Numa altura em que o securitarismo ganha terreno, em que as pessoas vivem assustadas e reagem ao medo de forma epidérmica, é importante revisitar a questão da insegurança e comparar aquela que é percecionada com a realidade de facto.

Vem isto a propósito da hipersensibilidade à ameaça que comporta a imigração islâmica. Um dos receios mais propalados tem que ver com o terrorismo, uma realidade que nos aflige poucas décadas depois de os movimentos de guerrilha e separatistas de extrema-esquerda terem sido derrotados. A ETA e o IRA, os Baader-Meinhof, as Brigadas Vermelhas e as FP-25 de Abril desapareceram, mas surgiu o terrorismo associado ao jihadismo islâmico.

É indisputável que, na atualidade, a fonte da esmagadora maioria dos atentados terroristas pode ser imputada aos islamitas fanáticos. Ainda que Portugal não tenha sido alvo desses atos hediondos em que as vítimas são aleatórias, é perfeitamente natural que a nossa população seja mais sensível a esse risco numa altura em que o número de imigrantes muçulmanos aumenta vertiginosamente.

Desde o início do século, mais concretamente a partir do 9/11, que as agências de inteligência colaboram entre si na prevenção deste tipo de terrorismo. E os resultados da articulação transnacional têm sido muito positivos. Tem sido possível contrariar e suster a ameaça, infiltrar células e manietar as estruturas do terror, antecipando muitas das suas iniciativas. Mas tudo isto não chega para neutralizar os atos dos ‘lobos solitários’, aqueles cidadãos que se radicalizam e estão dispostos, no limite, ao suicídio para cumprirem a missão que acreditam ser divina e lhes garante uma recompensa paradisíaca.

Estes fanáticos não chegam à Europa infiltrados entre os fluxos migratórios. Na sua maioria, já cresceram entre nós, nos subúrbios das grandes cidades. Odeiam os nossos hábitos e costumes, que não se coadunam com os seus valores tradicionais. Sentem-se alvo do racismo mal disfarçado, que indiscutivelmente existe e lhes causa incómodo. A sua radicalização, através das redes sociais, inicia-se com a normalização do horror. Mesmo que as vítimas sejam crianças, consideram a matança de inocentes em atentados terroristas como um ajuste de contas legítimo face aos muçulmanos que morrem no Médio Oriente. É este o pasto dos mais perigosos terroristas.

Obviamente que isto sucede porque há um problema religioso. É pouca a tolerância do Islão mais moderado, enquanto o fundamentalista equivale ao cristianismo do tempo da Inquisição. Se o primeiro é compatível com os nacionalismos, e gerou lideranças como a de Nasser, a versão fundamentalista toma o Islão como uma ideologia obscurantista e totalitária, onde não há espaço para o humanismo.

Ora, nas nossas cidades – onde há muçulmanos que certamente irão continuar acreditar no seu Deus e não se vão converter ao cristianismo nem se evaporar – é fundamental criar condições de culto ao islamismo tolerante e combater a instalação de madraças informais. É também indispensável que as nossas escolas integrem as crianças muçulmanas, para que estas tenham um sentimento se pertença.

Há quem pense o contrário: como ‘eles’ vêm de sociedades intolerantes, ‘onde até proíbem as igrejas’ – o que é mentira –, devemos tratá-los da mesma maneira. Só não percebo se quem assim pensa, provavelmente radicalizado pela extrema-direita, acha mesmo que devemos ser como aqueles que, embora com algum exagero, denunciamos. E também não compreendo que, no seu fanatismo nacionalista, não entendam que a tolerância é um valor que faz parte da civilização que a todo o custo querem defender.