Sete sugestões para a Feira do Livro

A Feira do Livro já começou e a oferta é tão variada que o difícil será escolher. Para ajudar, apresentamos sete obras recentemente publicadas, de um clássico chinês com 2500 anos ao relato tocante de um escritor que viu a morte de muito perto.

O Livro das Cinco Mil Palavras
Lao Tse
Assírio & Alvim

Escrito no século VI antes da nossa era, este texto fundador da filosofia oriental surge não apenas numa nova roupagem mas também com algumas “singularidades” – como lhes chama o tradutor Joaquim M. Palma – que“se encontram ausentes nas transcrições publicadas nos idiomas ocidentais nestes últimos cem anos”. Se não fosse um anacronismo, poderíamos dizer que encontramos nestas páginas uma espécie de estoicismo, cheio de contenção, de conselhos sábios e de apelos ao desprezo pelos bens terrenos. Tudo isto permeado pelo sentido do mistério que conduz à iluminação aquele que o decifrar. “A coisa mais flexível do mundo fragmenta a que é mais dura. O nada penetra no que é compacto. O que não tem substância entra no vazio. Deste modo, compreendo os benefícios da não-acção. Ensino sem palavras. Executo através do não-agir. Mas poucos compreendem isto”. Uma espécie de guia intemporal para nos orientarmos num mundo confuso e tumultuoso.
Preço 16,65€

História da Guerra do Peloponeso
Tucídides
Fundação Calouste Gulbenkian

Em tempo de guerras várias, este grande clássico mostra-nos que no essencial a natureza humana não evoluiu muito ao longo dos últimos 2500 anos. E que o século V a.C., de Péricles e de Sócrates, da democracia e da filosofia, não foi isento de convulsões violentas. Ele próprio homem de armas (era um general ateniense), Tucídides descreve com notável objetividade o que testemunhou ou ouviu em primeira mão do embate entre Atenas, a potência hegemónica da Grécia Antiga, e Esparta (e respetivos aliados), iniciado no ano 431 a.C. Traições, atos de heroísmo, discursos grandiloquentes e uma boa dose de chacinas: eis alguns dos ingredientes desta obra que é um monumento da antiguidade tal como o teatro de Epidauro ou o Pártenon. Com tradução e introdução do ‘rústico erudito’ Raul Rosado Fernandes.
Preço 30€

Como deuses entreos homens – Uma história dos ricos no Ocidente
Guido Alfani
Edições 70

Quem são os ricos? O que os define? Como vivem e se comportam? E a partir de que patamar se podem considerar como tal? Sem endeusar nem diabolizar a riqueza, Guido Alfani avalia o papel e o peso dos ricos nas sociedades, sempre com as desigualdades no horizonte. Mas não os põe todos no mesmo saco, até porque os há para todos os gostos:_os avaros e os esbanjadores, os indolentes e os empreendedores, os umbiguistas e os beneméritos. As diferentes formas de fazer fortuna e as oportunidades criadas pelas transformações tecnológicas também são objeto de apreciação. Eis uma visão panorâmica dos ricos no Ocidente, de António Palas, um antigo escravo cujo pecúlio ultrapassava o da família imperial de Roma, a Silvio Berlusconi, passando pelos Medici e os Rothschild.
Preço 37,90€

Na hora da minha morte
Sebastian Junger
Lua de Papel

Abateu árvores de grande porte pendurado numa corda de nylon a dezenas de metros do chão. Foi submergido por uma sucessão de ondas gigantes quando fazia surf num dia de inverno. Esteve debaixo de fogo enquanto cobria a guerra do Afeganistão. Esteve nas mãos de combatentes Ijaw no delta do Níger e um deles prometeu que o ia matar. Por centímetros não foi atropelado por um táxi em Manhattan quando pedalava na sua bicicleta. Mas a sua experiência mais próxima da morte foi à porta da sua casa de fim-de-semana, em 16 de junho de 2020. Uma dor fortíssima na barriga deu o alerta. No hospital mais próximo, os médicos diagnosticaram-lhe uma hemorragia abdominal maciça, cuja origem demoraram a identificar. Esteve preso à vida por um fio. E em certo momento, deitado na cama dos Cuidados Intensivos, viu o pai, falecido alguns anos antes.“Pela primeira vez na vida fiquei ali deitado a pensar na morte. Não na morte nos meus termos – a energia acumulada de escapar por pouco a uma situação perigosa, o alívio doentio de me ter safado com sorte – mas nos termos dela. O grande poço sem fundo que contém em si tudo e nada, incluindo o meu falecido pai . Não tem pressa, porque não tem de ter; está ali, é só isso. Quem tem pressa és tu, a correr de um lado para o outro, e depois de repente aquele poço está a engolir-te, e ao quarto e ao mundo e a toda a luz que há nele”.
Preço 15,90€

Conta-Corrente – volumes I e II
Vergílio Ferreira
Quetzal

Seja por pudor ou por outro qualquer motivo, não existe em Portugal uma tradição diarística consistente. Vergílio Ferreira (1916-1996), o autor da Aparição, constitui com Miguel Torga uma das raras exceções a esta ausência. Na sua Conta-Corrente, agora reeditada em dois bonitos e imponentes volumes de capa dura (mais de mil páginas cada), as pequenas incidências do quotidiano surgem paredes-meias com leituras (“Continuo com o livro do Malraux”); comentários à atualidade (“Situação política mais ameaçadora. O MFA e o PC entendem-se”); notas de viagem (“imediatamente após o desembarque vamos ao campo de concentração de Dachau”); aforismos (“Somos um país de analfabetos. Destes alguns não sabem ler”) e pensamentos que fazem pensar (“Ser superior não é só saber ou dizer coisas superiores:_é preciso também vê-las de um ponto de vista superior”). Também há muita poesia, género que o autor parece cultivar sem grande convicção, mas nem por isso de forma menos persistente. E, claro, meditações sobre o ofício:_“[…] sinto-me frustrado e inquieto e em desânimo, quando não escrevo um romance. Porque tudo o mais é dos arredores de quem eu sou, mesmo que esses arredores não sejam desinteressantes como me dizem deste diário. Mas não é o interesse dos outros que conta – é o interesse para mim. Um romance mobiliza toda a minha pessoa durante largos meses. E o resto é ligeiro passatempo como uma conversa de nada”. O_que é um diário? Uma tentativa de estancar o fluxo do tempo, um caderno para pensar em voz alta, um rasto da passagem pelo mundo, transformando em matéria escrita as nuances variadas de uma vida. A páginas tantas Vergílio Ferreira define assim o seu:_“Ficou-me o hábito de despejar para este caixote as ideias que vêm ter comigo e que não têm destino”. A partir do momento em que foram publicadas, passaram a ter.
Preço 27,70€

Amo a Rússia
Elena Kostyuchenko
Temas e Debates

Soldados mortos, minorias perseguidas, funcionários públicos corruptos, cidades mergulhadas em poluição. Na tradição de repórteres como Ryszard Kapuscinski e Svetlana Alexievitch, esta intrépida jornalista desloca-se aos locais, indaga, observa, escuta as pessoas e regista tudo. Das histórias doridas que nos serve emerge um retrato alternativo desse “enigma embrulhado num mistério dentro de um enigma”, como Churchill chamou à Rússia, e que também se aplica à Rússia de Putin. Um dos textos resume-se apenas a algumas linhas: “Em 2021, os tribunais russos julgaram 783 mil pessoas. Destas, exatamente 2.190 foram consideradas inocentes. Duas mil cento e noventa. A probabilidade de alguém acusado de um crime e ser ilibado era de 0,28%”. Neste caso são só números. Quase sempre tudo é contado ao pormenor, pelas vozes dos protagonistas. A coragem desta jornalista é assombrosa – e o que nos relata também.
Preço 22,20€

O Crocodilo
Fiódor Dostoiévski
Presença

Não foi por acaso que Borges incluiu este conto incompleto na antologia de contos russos da Biblioteca de Babel. “O ambiente é de sonho, prestes a cair no pesadelo, mas nunca se afunda nos seus muitos abismos graças ao tom de humorismo e à inconsistência e vulgaridade dos protagonistas”, escreveu o autor argentino.
O absurdo e o paradoxo, tão cultivados e tão do agrado quer de Borges quer do próprio Dostoiévski, encontram-se com o cómico e o grotesco nesta história de um funcionário público que é engolido por um crocodilo que se encontra em exposição. Quem é a vítima e quem é o culpado do incidente?
O funcionário, o animal ou o dono dele? Mas, passada a aflição inicial, o homem deixa-se ficar, aconchegado na pele do réptil que afinal lhe assenta como uma luva. Com tradução do russo de Nina e Filipe Guerra.
Preço 11,90€