Os alicerces tradicionais da democracia, tal como os conhecemos desde a Revolução de 25 de Abril de 1974, acabaram. De uma forma silenciosa, mudaram-se conceitos dados por adquiridos e acabaram por levar consigo os modelos clássicos republicanos, anunciando o fim dos padrões habituais do socialismo democrático e de uma certa social-democracia aos quais nos acostumámos.
O marco formal dessa viragem pode ser encontrado nestas últimas eleições legislativas, apesar de alguns sinais se terem tornado visíveis de algum tempo a esta data. Por esse motivo, não deixa de ser impressionante que o Partido Socialista abdique de refletir internamente, e a fundo, sobre esta mudança na sociedade. É demasiado preocupante que não o faça e considere estar tudo na mesma. Não está, de todo.
A única força política que não surpreende por essa omissão introspetiva é a extrema-direita, por estar na crista da onda, mais bem-adaptada aos ventos de feição por si gerados e porque, na realidade, não o sabe fazer. Nem precisa. Basta continuar a explorar a emoção barata, infantilizando os eleitores durante as campanhas e mantendo o descrédito nas instituições, das quais, por ironia, continua a beneficiar.
Não foi apenas a ambição pela estabilidade que esteve em causa. Continuamos a observar um voto tendencial e maioritário de protesto. Um protesto profundo contra as lideranças cinzentas, contra um regime que, desde 1974, ainda não concretizou as aspirações legítimas de um povo nem avançou com as mudanças estruturais necessárias a uma qualidade de vida satisfatória, um veemente protesto por se continuar a defraudar expectativas e pelo sucessivo adiamento de promessas, notando-se uma evidente insurreição contra os controladores dos aparelhos partidários, responsáveis por tomarem o interior dos partidos, afastando os mais capazes.
Portugal nem consegue ser único perante o atual estado das coisas, porque este cenário alastra pelo mundo fora. A política mundial caminha para estar entregue, numa assustadora maioria, a uma nova classe de impreparados, a responsáveis decisórios sem elevada craveira intelectual, apenas preocupados em manter as suas funções, cavando um fosso ainda maior entre eleitores e eleitos.
Por cá, cede-se em revolta à nostalgia imperial. Não por vontade própria, mas pelo pior dos sentimentos, por causa da desilusão. Como os partidos tradicionais se mantêm alheados do país real, sem perceber sequer que as arruadas estão cada vez mais reduzidas, a escolha por quem só oferece inimigos poderá crescer. E enquanto não se resolverem os problemas estruturais deste país, não se pode colocar de parte a hipótese de a extrema-direita vencer umas legislativas futuras.
Não sabemos o que irá surgir nos próximos tempos, mas será algo bastante diferente. Para tal, os verdadeiros partidos terão de refletir ao ponto de mudar a sua maneira de ser, fazendo o seu mea culpa e abandonando a retórica desajustada da realidade. Quem está frustrado com a atual política nacional, não está revoltado com a democracia, ao ponto de a comprometer. Só precisa de líderes democráticos capazes.