Quando comecei a escrever sobre a aventura maternal, sobre filhos, pais, escola, educação, religião, política e o mundo em geral que gira à volta das famílias, na primeira década do século, a vida era outra. Éramos todos diferente. A escola era outra, assim como os pais, os temas que dominavam as conversas e as preocupações dos educadores. Não havia redes sociais nos telemóveis, não havia telemóveis no bolso de cada criança e ainda existiam lojas de brinquedos. O défice de atenção não era uma epidemia, nem a hiperatividade e não se vendiam mais remédios para as crianças do que sugos. Os blogues estavam a dar os primeiros passos, os pais ainda não eram lacaios dos filhos e havia mais filhos por famílias, mais irmãos, primos e tios.
Comecei a escrever numa altura em que aquilo que valia era o que se escrevia; reels, vídeos, fotografias, eram residuais. Uma imagem não valia mais do que mil palavras. Era mais fácil, mais calmo e silencioso. Entretanto o mundo mudou. Hoje, são as emoções que ditam as opiniões e não a razão.
Hoje, ter filhos, ter um filho na escola, educar ou brincar é uma espécie de ciência, uma empreitada complexa. Fazem-se análises swot, educa-se tendo como orientação basilar o bem estar imediato das crianças e não na sua formação. O choro de uma criança é um sinal de alarme e não apenas um barulho de fundo de uma casa com crianças. A privacidade é um desafio diário, a culpa intoxica a espontaneidade dos pais que duvidam dos seus instintos paternais e maternais. Hoje os pais vão ao pediatra sem os filhos só para desabafarem e pedir conselhos, a orientação dos avós, afinal, é considerada um mito e a insegurança é o chão comum de todos. Autoestima, realização pessoal, motivação, vencer, ter e parecer, são as linhas mestres da educação parental. Disciplina, respeito, sacrifícios, cumprimento de obrigações, ouvir antes de falar, são princípios antigos, sem adesão, que soam a severidade, maus-tratos emocionais. Porque não, não é mesmo resposta. O sentimento de culpa dos pais é uma epidemia que os leva a nunca se separarem dos filhos, a não terem filhos com medo de não conseguirem dar conta do recado, a não estabelecerem regras com receio que os filhos não os aceitem.
Quando comecei a escrever, escrevia sobre tudo. Sobre as fragilidades das escolas, a aselhice dos pais e as suas limitações e fragilidades, a ditadura dos filhos e os seus caprichos assim como a maravilha e a beleza que é ser pai ou mãe, vê-los crescer, sermos surpreendidos todo os dias com as suas descobertas, perguntas e ideias. Escrevi sobre os nossos erros e como somos todos parecidos porque as crianças são todas farinha do mesmo saco.
Conforme os anos foram passando, a malha foi apertando. Deixou de ser aceitável que se escrevesse sobre estes temas. Há dogmas que se instalaram que só o tempo os irá mover e há lógicas orientadoras que só a realidade as irá reverter. Psicólogos e pediatras escrevem livros sobre as melhores formas de educar, os erros que se cometem e fornecem pistas em forma de manual de instruções, quando dantes apenas se atreviam a falar de ciência deixando o resto ao cuidado dos pais.
Tudo isto aconteceu nos últimos 15 anos. Mas há duas coisas absolutamente incompreensíveis que se mantêm inalteradas: ainda não há um tratamento eficaz para os piolhos nem um remédio que resulta para tratar das cólicas dos bebés.
Piolhos e outras coisas
Comecei a escrever numa altura em que aquilo que valia era o que se escrevia; reels, vídeos, fotografias, eram residuais. Uma imagem não valia mais do que mil palavras. Era mais fácil, mais calmo e silencioso.