O tema das intervenções do Senhor Presidente da República e da escritora Lídia Jorge, que estimo, foi infeliz. Trata-se, aliás, de um não-tema, e tentar, como fizeram, racionalizá-lo só o obscurece. Dividiram, num dia que devia ser de unidade de pedagógico e justo orgulho patriótico.
Mas mais, essas intervenções pecaram por ignorância ou omissões de realidades e factos históricos documentadíssimos, que a propósito deveriam ter lembrado. Ou, se quisermos dizer de outro modo, inquinados por ideologia.
Basta referir um facto. Portugal terá sido o primeiro país europeu a abolir e perseguir o tráfico de escravos negros, mas não foi o país que o iniciou. O que, registe-se, não torna o tráfico atlântico menos horroroso e condenável.
De facto, sete séculos antes do tráfico atlântico de horrorosa memória, negreiros árabes -muçulmanos e africanos caçaram homens na Europa, sobretudo na de Leste, que venderam no Médio Oriente e no continente africano. Zanzibar foi um importante centro desse comércio horrível. (Eslavo quer dizer escravo.) Quando esse filão do Leste Europeu e das costas europeias do Mediterrâneo se esgotou ou inviabilizou, passaram a caçar no continente africano, dizimando impérios inteiros. Aliás, o tráfico atlântico sete séculos depois só foi possível com a colaboração de negreiros africanos, por ser perigoso para os traficantes portugueses e de outros países europeus penetrarem no interior da África, dada a sua vulnerabilidade e fragilidade a infeções epidémicas. Vale talvez a pena acrescentar, que na ausência da moderação de religiosos, os tráficos árabe e africano terão sido mais cruéis, sendo também um facto a castração que praticaram em larga escala. Tráfico árabe africano nunca abolido oficialmente em Estados do Médio Oriente e da África, onde continua a ser praticado. E não é afinal de ‘escravatura’ a vida e o destino hoje de tantos imigrantes, resultado da ausência criminosa de políticas de imigração responsáveis e criteriosas?
Pela minha Avó paterna, descendo em linha reta de uma antiga família da nobreza de Portugal, de D. Francisco de Almeida, porta-bandeira na batalha de Toro, o decepado do Toro (de que existe uma bela aguarela inserida na obra de João Soares (Avô) e Chagas Franco, Quadros da História de Portugal). Os meus pais são do norte de Portugal e é visível em mim, porventura, uma origem remota celta. Mas não sou por isso mais português que Marcelo Rebelo de Sousa ou André Ventura, em cuja fisionomia me parecem visíveis ascendências africanas mais ou menos remotas.
Quanto a compensações – sensatamente nunca reivindicadas, aliás, suponho, pelos governantes dos PALOP –, se não fossem, por óbvias razões, um disparate, faria, porventura, mais sentido serem os países africanos a atribuí-las a muitos portugueses. Pela expulsão a tiro e à catanada, espoliados de tudo, daquelas terras a que deram o seu afeto e enriqueceram com o seu suor, com o seu trabalho dedicado.
Talvez a melhor, única maneira de definir a identidade e a pertença portuguesa, deva ser, afinal, a vontade de ser português e o afeto a Portugal, que de várias maneiras se manifesta. Um bom exemplo de um português? Pepe, O CENTRAL da nossa Seleção!