De certezas absolutas está o inferno cheio

O que se passa nas televisões, com o propagar de certezas absolutas muitas vezes desmentidas no dia seguinte pela realidade, não passa de um constante achismo. Um espetáculo de entretenimento disfarçado de análise. Ou pior, de informação – que é o que realmente falta.

O mundo é um lugar complexo e se há alguma certeza que podemos ter nestes dias é que é impossível saber com precisão as consequências futuras de ações presentes. Podemos fazer cálculos, previsões mais ou menos lógicas conforme o ponto de vista ou especular sobre várias possibilidades. Mas o que história contemporânea nos tem mostrado é que o que não sabemos que não sabemos – para citar Donald Rumsfeld – ultrapassa em muito aquilo que sabemos. É-me por isso difícil compreender as certezas absolutas que por estes dias foram sendo proclamadas nas televisões em relação ao ataque de Israel ao Irão e ao bombardeamento dos EUA às instalações nucleares iranianas.

O que sabemos realmente pode traduzir-se em factos essenciais: o Irão tem como doutrina a aniquilação de Israel e desenvolveu um programa nuclear com o objetivo de obter a bomba atómica; Israel, os países da região e a generalidade do mundo ocidental está contra a possibilidade de Teerão obter armas nucleares; depois de arrasar o Hamas e o Hezbollah sem haver reação iraniana, o governo de Benjamin Nethanyahu sentiu a fragilidade do Irão e decidiu atacar alvos militares e nucleares; por fim os Estados Unidos decidiram bombardear de surpresa três instalações nucleares iranianas, algo que nunca tinha acontecido.

A partir daqui podemos interpretar os factos, especular sobre as suas consequências ou analisar os eventuais riscos das decisões. Mas ninguém pode dizer com certezas absolutas – como foi dito – se os ataques foram mais ou menos eficazes, se vai ou não haver mais, se os iranianos estavam ou não preparados para eles, se a população está pronta ou não para mudar o regime, se o regime está ou não pronto para cair, e por aí fora.

Não sabemos porque não passou tempo suficiente para reunir informação credível sobre os efeitos dos bombardeamentos; e porque hoje pouco se sabe sobre o que se passa no interior do Irão (tal como não temos informações da Rússia ou da Coreia do Norte), um país com 90 milhões de habitantes, um imenso território e um regime que há 45 anos esmaga os dissidentes.

Não sabemos porque nenhum de nós é capaz de adivinhar que forças se movimentam neste momento nas sombras. Por exemplo, ninguém soube das ações dos serviços secretos israelitas que, com anos de antecedência, planearam a eliminação de elementos do Hezbollah com bips armadilhados até ao momento em que eles explodiram. Tal como, entre muitas outras, nos anos 1980 ninguém soube que a Mossad montou uma operação secreta para resgatar milhares de judeus etíopes através do Sudão, país em guerra com Israel.

Não sabemos porque as reais consequências das decisões de israelitas e iranianos só serão conhecidas nos próximos meses ou anos. Não sabemos porque as reações a essas ações são, realmente, imprevisíveis. Ninguém imaginou, por exemplo, que após a invasão americana do Iraque em 2003, um criminoso jordano com especial gosto pela violência tornado jiadista – Abu Musab al-Zarqawi – seria capaz de transformar a sua pequena milícia num grupo terrorista de tal dimensão que superaria a Al Qaeda e viria a transformar-se no Estado Islâmico, com tudo o que isso implicou. Mais uma vez, o que não sabemos que não sabemos é muito superior ao que sabemos – até o sabermos de facto.

O que se passa, portanto, nas televisões portuguesas – neste caso sobre o Irão, mas não só – com o propagar de certezas absolutas, muitas vezes desmentidas no dia seguinte pela realidade, não passa de um constante achismo em que comentadores se sucedem uns aos outros para encher a antena. Sob o rótulo de especialistas em assuntos internacionais, uma definição tão alargada quanto o mundo, oferecem-nos um espetáculo de entretenimento permanente disfarçado de análise. Ou pior, de informação – que é o que realmente falta.

O passaporte português é um dos documentos mais valiosos do mundo. Quem o possui pode entrar em 189 países sem necessidade de visto. Ele é, por isso, muito procurado. Por pessoas de bem, que a ele têm realmente direito, mas também por aqueles que pretendem apenas servir-se da documentação nacional para obter benefícios próprios – ou pior. Esse é um dos motivos pelos quais a decisão do Governo de apertar os critérios para obtenção da nacionalidade vai no bom sentido. A cidadania portuguesa não deve ser concedida sem que se cumpram determinados critérios, nem sem que os que a vão receber dominem a nossa língua, cultura e valores democráticos. Não é só a segurança nacional que está em causa. É também a dos nossos aliados. Após os atentados do 11 de Setembro soubemos que alguns dos passaportes roubados da embaixada portuguesa no Paquistão foram usados por membros da Al Qaeda. Recentemente foi noticiado que dois espiões russos obtiveram ilegitimamente a nacionalidade portuguesa. Queriam usá-la como cobertura para desenvolver a sua atividade. Sim, a maioria das pessoas têm boas intenções. Mas não podemos permitir que as que não as têm tenham a vida facilitada.