O Matuto e os Champôs

O Matuto mantém-se firme no seu pessimismo capilar: lava-se com parcimónia, pega no sabão azul e recusa-se a atribuir às substâncias amazónicas virtudes metafísicas.

O Matuto é um pessimista. Em quase todas as ocasiões o pessimismo é mais recomendável, além de ser mais acutilante e elegante. O optimismo é enfadonho. Fastidioso. Quem lê as crónicas dum optimista? Quem lê as crónicas dum bendizente? Ninguém. De crónicas desse jaez não reza a História. Daí que o Matuto seja um pessimista por teimosia e pedantice.

Afinal, os males da existência, pedem mais sobriedade do que euforia. Uma certa frugalidade. Só assim o Matuto dá conta dos episódios farfalhudos deste mundo que, diga-se de passagem, endoidou de vez. Mas, disso falaremos noutra crónica. Adiante que se faz tarde.

É preciso assentar que este pessimismo crônico do Matuto invade o universo dos champôs (xampu, no Brasil, por favor). É verdade que os rótulos dos champôs são ultra cativantes, irresistíveis até. Desde promessas de estancar a queda dos cabelos, passando por revitalizações e actuações sobre as pontas dos apêndices capilares, até à nutrição das raízes e hidratação das penugens. Há de tudo! Nestas coisas e loisas domésticas, na “Casa das Pontes”, é a Dona Sirlei, a gentil esposa do Matuto que faz a gestão da panóplia de champôs residentes. Há 5 exemplares na casa de banho principal, da “Casa das Pontes”. Entretanto, o Matuto sabe de fonte segura que no apartamento do Sr. Rocha – a visita letrada das ‘Pontes’ – residem 9 exemplares de tão nobre mercadoria. Por lá a gestora da flotilha champonesca, é a Dona Juliana – a viajada esposa do Sr. Rocha. Porventura quem viu muito mundo é mais fecundo a produzir champôs. O Matuto não descortina a utilidade de tanto espécimen dessa raça, porque o Sr. Rocha ostenta uma careca digna de respeito. O Matuto acredita que o Sr. Rocha deve ter usado até à exaustão os champôs indicados para “estancar a queda dos cabelos”. Todavia, apesar disso, os resultados têm sido pífios e o Sr. Rocha assume com brio a sua calvície. Conclusão: o pessimismo do Matuto nesta questão é inteiramente justificado. 

O Matuto também se escusa a dar fé nas verdadeiras origens dos ingredientes de certos champôs. No Brasil, país que tão generosamente acolheu o Matuto no seu seio, há diversos champôs que dizem conter substâncias amazónicas. O Matuto é ignorante nesta matéria, porém sabe ler os nomes coloridos desses elementos da Amazónia. É o célebre guaraná, jabuticaba, copaíba, buriti, piper – com variantes piper callosum, piper tuberculatum e piper hispidum – acaí, crajuri, bacuri, pracaxi, cupuaçu, tucumã, joá, jurubeba, murumuru, taiuiá, bardana, itubaína, cinchona, uxi-amarelo e (a favorita do Matuto) unha de gato. Uma certa marca de champô até apresenta no rótulo um cacique amazonense (chefe Índio) com umas penas de papagaio na cabeça. Isso é que é fazer inveja aos carecas. Até penas lhe nascem no cucuruto. O Matuto fica de pé atrás com tanta diversidade de essências amazónicas nos champôs. Toda esta mistureba mais parece um cocktail afrodisíaco. Daí a reação atarantada de Dona Sirlei: “Você está de sacanagem comigo”!

Depois há os sabores. Os mais charmosos incluem pêssego, mamão ou damasco. É como ir a um mercado ao ar livre. E, há coisas mais fortes, como “leite de coco”, “gema de ovo” e “tutano de boi”. Tudo com benefícios supimpas para o couro cabeludo.

Em rigor o Matuto está-se nas tintas para os ingredientes e os vários tipos de champô existentes. Mesmo as instruções, supostamente terapêuticas, são olimpicamente ignoradas. As analogias que são traçadas entre os componentes do champô e os efeitos capilares anunciados, são elementares. Mas o Matuto não está nem aí. Por exemplo: champôs hidratantes trazem água para dentro dos fios e criam uma barreira para esta água não sair; champôs de reposição ajudam na reposição (obviamente) da queratina e carbono entre outros nutrientes necessários aos fios, desenvolvendo a força, o brilho e a maciez aos cabelos; champôs de nutrição são especialmente indicados para cabelos ressequidos, sem brilho porque estes champôs geralmente contêm ingredientes como óleos vegetais, manteigas (o Matuto prefere “Primor” com flor de sal!) e extratos naturais que ajudam a nutrir, repondo lipídeos (o Matuto considera que é de mau tom pensar no cabelo como se fosse um porco para a engorda); champôs neutros são… bem… neutros; champôs anti resíduos  geralmente contêm ingredientes como sulfatos ou outros agentes de limpeza fortes que removem não apenas a sujeira, mas também os óleos naturais do cabelo… a lista é infinita. Há champôs para cabelos oleosos, secos, coloridos e até existem uns detox e veganos. Também existem champôs de cera como se a área capilar fosse um chão de madeira.

Assim, o Matuto mantém-se firme no seu pessimismo capilar: lava-se com parcimónia, pega no sabão azul e recusa-se a atribuir às substâncias amazónicas virtudes metafísicas. Há quem procure no champô a juventude, a sedução, ou a reinvenção da identidade folicular. O Matuto, apenas deseja não escorregar na banheira e conservar alguma dignidade enquanto o mundo, perfumado e reluzente, escorre alegremente pelo ralo. Afinal, a vaidade é solúvel em água morna. Quanto ao resto, o Matuto suspeita que esta indústria dos champôs é um conluio internacional entre farmacêuticos, poetas de rótulo e carecas arrependidos.