A aplicação criada para denunciar casas vazias em Portugal – Devolutos – está a criar uma ‘guerra’ com a Associação Nacional dos Proprietários (ANP) por considerar que está a violar os direitos dos senhorios. Ao Nascer do SOL, António Frias Marques diz que «é um assunto a ser estudado pelo departamento jurídico» da associação e questiona qual é a intenção deste movimento. «É uma aplicação de mau gosto que entra pelos direitos das pessoas porque os prédios têm dono. Quem tem esse direito? Não podemos aceitar isso, porque isto não é o da Joana. Qual é o mandato que essas pessoas têm para serem justiceiros agora da internet e estarem a publicitar isso? O objetivo só pode ser o de tentar achincalhar os proprietários», refere.
O responsável estranha ainda esta publicitação de imóveis ao recordar que não foi permitido à associação avançar com uma lista de inquilinos incumpridores. «Em Portugal defendem-se os caloteiros e todas essas pessoas que não cumprem com as suas obrigações e que estão nas casas durante anos sem pagar renda e que ninguém as põe lá fora. Tal como a Comissão de Proteção de Dados não nos permitiu avançar também vamos reunir esforços para que não seja permitido isso. Quando se faz uma coisa dessas qual é a intenção? Isto não resolve o problema. É apenas um dedo acusatório», diz ao nosso jornal.
Frias Marques crítica ainda para o facto de a maior dos imóveis que estão a ser inseridos dizem respeito, na sua maioria, a ruínas. «O que verifiquei realmente é que são fachadas de prédios e a maior parte deles são ruínas, nem sequer são devolutos. Temos de saber o que é quer dizer as palavras, devoluto quer dizer vago, mas que está pronto a ser habitado e estar a chamar devoluto a ruína é incorreto, mas independentemente disso não podemos permitir uma coisa dessas porque os prédios têm dono».
E recorda que, ao contrário do que acontece quando umimóvel vai para uma agência imobiliária para arrendar, neste caso não é assinado um contrato, nem houve consentimento do por parte do proprietário.
O presidente da ANP lembra também que os proprietários têm imóveis nesta situação já são, muitas vezes, penalizados do ponto de vista fiscal pelas autarquias. «Se a Câmara considerar que um determinado edifício está de devoluto, o proprietário está a pagar, como estão milhares e milhares de proprietários, 10 vezes mais de IMI no primeiro ano, no ano seguinte 12 vezes mais, no ano seguinte 14 vezes mais até atingir 200 vezes mais Isto é o que está previsto na lei. Penso que estas pessoas também não têm conhecimento disso», salienta.
Já em relação a publicitarem imóveis devolutos do Estado, António Frias Marques diz apenas: «Podem publicitar à vontade, o Estado que se mexa, se quiser».
Mais de mil numa semana
O coletivo Devolutos lamenta as declarações do presidente da Associação Nacional de Proprietários e acena com os resultados que já estão à vista: «Mil fachadas abandonadas, portas emparedadas, janelas quebradas, muros fechados ao mundo. Mil provas de que a crise da habitação não se resolve com retórica bonita, nem com benefícios fiscais, nem com mais construção — resolve-se com coragem e visibilidade. Mas estes dados não são apenas números. São mil casas que podiam abrigar mil famílias condenadas ao desespero da crise habitacional. Por cada casa devoluta, há uma tragédia real de uma família que foi despejada e expulsa da sua cidade», referem o responsáveis deste movimento.
E vão mais longe: «Fotografar fachadas a partir da rua é legal. Mostrar o abandono urbano é um dever cívico e os imóveis não têm personalidade jurídica. Se a ANP quer mesmo impedir que se fotografem prédios devolutos sugerimos que comece por processar a Google Maps, que publica imagens de todas as ruas e edifícios do país. Mas se o problema é a Devolutos então incomodámos porque mostramos o que preferem esconder».
De acordo com os responsáveis, Portugal enfrenta uma das maiores crises habitacionais da sua história recente e «num país onde o discurso dominante continua a falar de ‘falta de oferta’ há uma realidade gritante que permanece nas sombras: Portugal tem casas a mais e continua a deixá-las vazias», referindo que foi para combater esta contradição que nasceu a Devolutos. «Uma nova aplicação digital cívica, colaborativa e transparente que permite mapear casas e prédios devolutos em Lisboa e espera em breve disponibilizar todas as zonas urbanas do país, tornando visível aquilo que demasiadas vezes permanece invisível: um parque habitacional subutilizado ou abandonado, em plena crise social», concluem.