1. Há dias uma médica com mais de trinta anos de trabalho no Serviço Nacional de Saúde contou-me o que a fez tomar a difícil decisão de abandonar o SNS. Foi há quase um ano. Em setembro de 2024, cinco reclusos evadiram-se do estabelecimento prisional de Alcoentre, com recurso a um escadote que lhes permitiu saltar o muro da cadeia. A fuga bem-sucedida, com métodos rudimentares, deixou o país incrédulo sobre a fragilidade dos meios de segurança daquela prisão. Numa entrevista, o diretor do estabelecimento deu conta da avaria das câmaras de vigilância e do insistente pedido para que fossem substituídas. Até ao dia da fuga, sem resposta. A médica ouviu a entrevista e sentiu-se identificada. Há meses que, num dos maiores hospitais do país pedia equipamento indispensável ao serviço de neonatologia sob sua responsabilidade. Ao ouvir a entrevista do diretor da prisão de Alcoentre pensou: um dia vai ser comigo e serei responsabilizada pela perda de vidas porque não tenho equipamento. Pensou e decidiu. A solução foi abandonar o SNS. Neste, como em muitos outros casos, não é só o vil dinheiro que leva à fuga dos profissionais de saúde dos hospitais públicos.
2. Em cima do verão, não bastando as muitas urgências fechadas todos os dias no país, o serviço de emergência médica teve de recorrer ao empréstimo de helicópteros da Força Aérea, para conseguir assegurar o transporte aéreo de doentes urgentes. O concurso para a aquisição do serviço para o INEM, não foi concluído a tempo. A ministra diz que não correu bem por causa do excesso de burocracia do Estado. Era assim tão difícil recorrer ao histórico deste tipo de concursos e perceber que, para evitar uma rotura na prestação de um serviço tão importante, era necessário ter lançado o concurso mais cedo? Não parece, sobretudo sabendo que a ministra da altura, a mesma de agora, foi avisada atempadamente para o problema. Mais vale admitir o erro do que negá-lo, mas é pouco para quem tem a seu cargo a prestação de cuidados de saúde a milhões de portugueses que pagam os seus impostos.
3. Depois de terem sido erradicadas na década de 1990, as barracas estão de volta ao país. No final do século passado foram fundos europeus, aplicados num Programa Especial de Realojamento (PER), que ajudaram o país a eliminar uma das suas maiores chagas sociais. Milhares de pessoas, particularmente nas grandes áreas urbanas, viviam em condições indignas, com habitações precárias, em enormes bairros de barracas que se impunham na paisagem das grandes cidades. Houve uma política de habitação que permitiu realojar cerca de 130 mil pessoas, em mais de 34 mil casas construídas para o efeito. 40 anos depois sobrou a lembrança desses tempos e a vontade de não voltar ao ‘tempo das barracas’. É pouco para um país que gosta de dizer que está na média europeia. Os autarcas dos anos 1980 e 1990 construíram casas primeiro, e só depois de realojar as pessoas, deitaram as barracas abaixo. Os autarcas de agora acham que podem começar a casa pelo telhado: primeiro põem as pessoas a viver na rua e depois logo pensam em construir casas. Tenho uma notícia para lhes dar: não é assim que se faz. Por mais que os populismos pareçam estar a render votos, não me parece que isso vá favorecer autarcas preguiçosos. Na hora de votar, os eleitores vão querer saber quantas casas foram construídas, não quantas foram destruídas, mesmo que sejam precárias.