A propósito do Ruanda, o jornalista e escritor Philip Gourevich escreveu que «a promessa do Ocidente, após o Holocausto, de que o genocídio nunca mais seria tolerado provou ser vã, e, apesar dos belos sentimentos inspirados pela memória de Auschwitz, o problema permanece: denunciar o mal está muito longe de fazer o bem».
Como sucede hoje com os palestinianos em Gaza, em que o suplício de reféns inocentes e o horror do 7 de outubro é invocado como justificação, também então se relativizou o genocídio de um grupo étnico por preexistir um contexto histórico. Os tutsis – a elite política e económica do Ruanda, alegadamente com características físicas próximas dos colonizadores – haviam subjugado os hutus durante décadas.
Israel não conseguiu impedir o 7 de outubro, foi incapaz de libertar os reféns e, apesar da estratégia de terra queimada, não eliminou os terroristas em Gaza, que continuam a exibir a sua resiliência sempre que ocorrem trocas de reféns por prisioneiros. É inaceitável que se branqueie o terrorismo do Hamas, cujo objetivo último é destruir Israel e impor um estado islâmico fundamentalista, qualquer que seja o sacrifício humano.
Esta guerra é interminável, indiscriminada e inútil do ponto de vista militar, como salienta o The Economist. As consequências sob o ponto de vista humanitário são terríveis. Num território tão densamente populoso, o conflito teria sempre consequências para a população. E o Hamas agrava-as ao utilizar estruturas civis para fins militares e palestinianos indefesos como escudo humano, aumentando o martírio de inocentes que depois propagandeia.
Contudo, a barbárie de uma organização terrorista como o Hamas, com quem nada é negociável, não justifica atos desumanos e com uma desproporcionalidade que até em Israel causa horror. Segundo o jornal israelita Haaretz, o IDF abriu fogo contra civis desarmados que se aproximavam de centros de distribuição de ajuda humanitária em Gaza. Oficiais e soldados testemunharam que as ordens foram dadas, apesar de essas pessoas não representarem uma ameaça.
Não são apenas as instituições internacionais a acusar Israel de provocar a fome e de impedir o apoio humanitário: quem o diz é Trump, um incondicional aliado de Netanyahu, e a Europa, consciente das suas responsabilidades históricas e porque tem denunciado e combatido a barbárie russa na Ucrânia. O sacrifício de civis, a intenção anunciada de promover uma limpeza étnica em Gaza e a impunidade dos colonos na Cisjordânia, administrada pela Fatah (que reconhece o Estado judaico), são inaceitáveis.
A legitimidade moral das reações justificadas aos ataques do Hamas pelas Forças Armadas de Israel, reconhecida quase unanimemente a seguir ao 7 de outubro, está comprometida até junto dos que admitem a impossibilidade de poder aceitar que um território vizinho seja governado por terroristas.
Por outro lado, e como salientou António Barreto, «é chocante ver como os movimentos terroristas do Hamas (…) têm vindo a receber e gozar do estatuto de vítimas, de movimentos políticos razoáveis e de partidos com ideias aceitáveis pelo resto do mundo. Mais ainda, estes movimentos, condenados por grande parte da opinião, são hoje considerados como interlocutores aceitáveis».
Em todo o caso, e tendo a proteção da população de Gaza como prioritária, a comunidade internacional não pode defender uma solução em que o Hamas possa governar ou sequer operar no território. Assim como não pode tolerar que Israel queira ocupar Gaza e continue com a sua política de colonatos na Cisjordânia.
É urgente um plano de auxílio sanitário e alimentar em Gaza, que constitua um primeiro passo para a reconstrução do território. Nem que, para isso, seja criada uma força de interposição, na qual os Estados Unidos e os países árabes se devem envolver.