O Matuto gosta de viver no Brasil. Este país que tão generosamente acolheu o Matuto no seu seio, é maravilhoso. O Matuto diz isto sem que o seu sentido crítico se sinta atrofiado. A verdade é que o capitalismo impõe regras que fazem tábua rasa de tradições e costumes. É a célebre globalização. O Matuto sente-se um cidadão do mundo. E, quando bate a melancolia, é possível ouvir o Matuto a citar, entredentes, o poeta John Donne; “a morte de qualquer homem diminui-me porque estou envolvido com a humanidade”.
Dito isto, há coisas que o Matuto considera património do torrão Luso, à beira mar plantado. Sobre essas coisas o Matuto não tece considerações de índole filosófico. Apenas fica nas observações sensoriais. Digamos, empíricas. Isso! Bom, mas dizia o Matuto que há coisas que são ‘preciosidades Lusitanas’. A paciência é uma delas. O Português típico sabe que Portugal já foi grande e hoje atravessa uma fase ‘rame-rame’. É a fase da mesmice. Uma lenga-lenga; uma ladainha; uma chorumela. Os períodos do ‘rame-rame’ são um marasmo e quase sempre patéticos. O Portuga – que é o “Português elevado à sua máxima impotência”, segundo o Miguel Esteves Cardoso – sabe disso e, todavia, continua à espera… sentado. De quê? Nada! Um gordo e rotundo NADA! O Matuto sabe de fonte segura que o Rei de França Luís XVI, escreveu no seu diário, no dia 14 de Julho de 1789, uma única palavra: “nada”. Ora, esse foi o dia da queda da Bastilha e o início da Revolução Francesa. O Matuto sabe, também de fonte segura que o diário do Rei se limitava a registar eventos como caçadas, bailes e cerimónias. Todavia, aquele “nada” tornou-se símbolo da indiferença e da apatia real diante da revolução. O Matuto nada sabe dos humores cinegéticos dos Reis de antanho, mas assegura que um dos vícios Portugueses é esta paciência vazia no ‘nada’.
A par e passo, o Matuto assiste à multiplicação da maledicência. O Matuto como turista Tropical e indígena Luso, está na posição genuína de sondar a alma Lusitana. Ora, a maledicência está entranhada na alma Lusa. O Matuto considera mesmo que o Portuga diz mal daquilo que ama. Uma versão caprichosa do “quanto mais bates, mais gosto de ti” (o Matuto sempre achou este ditado grotesco). Uma lógica burlesca, à Karl Popper: só dizemos mal de algo que existe. Ou seja, dizer mal do rectângulo Lusitano, atesta a sua existência. Será que o Portuga diz mal na esperança das coisas melhorarem. Tipo o “knock on wood” dos Ingleses ou o desejar “muita merda”, nos teatros.
A Belinha, a visita conservadora da ‘Casa das Pontes’, é uma verdadeira força da natureza. Quando ela fulmina as ‘Pontes’ com uma das suas máximas, é um tsunami em acção. Sobre estes vícios dos Portugueses a Belinha afirmou alto e bom som que são “totalmente ineficazes”. O dedo em riste e o olhar crispado revelava determinação. O Marcello, a visita reacionária das ‘Pontes’ tem pela Belinha uma admiração cautelosa: “essa mulher é um vulcão em permanente erupção. Melhor assistir à distância”. O Matuto concorda deitando olhares pelo rabo do olho à sua gentil esposa, Dona Sirlei. Esta sorri benevolente. A solidariedade feminina é notável. Caturra, mas notável. Porque a maledicência Portuguesa pode ser inofensiva, mas a Belinha é duma eficácia aterradora.
Entretanto, o Matuto deseja terminar esta crónica em tom positivo. Havia que começar pela maledicência. Quem já ouviu falar em “crónicas de bendicência”!? Pois então! Votando às ‘preciosidades Lusas’, o Matuto lembra o pastel de nata; a Janela do Convento de Cristo em Tomar; as lérias de Amarante; o queijo de Azeitão; o Palácio da Pena; os enchidos Alentejanos; a Livraria Lello no Porto; a Bertrand em Lisboa; a praia da Arrábida; o Cozido à Portuguesa; os livros do António Lobo Antunes; a Praça Central de Porto Covo; a Aldeia Histórica de Monsanto; o Miradouro do Jardim do Torel, em Lisboa; um prato de favas com chouriço; a Baía do Seixal; a morcela de arroz; o arroz de tomate do Manjar do Marquês, em Pombal; os cafés em qualquer canto e recanto de qualquer lugarejo de Portugal…
O Matuto bem podia continuar a debitar ‘preciosidades Lusas’ até encher a paciência dum santo. No entanto, a Belinha entra de novo em modo apocalipse: “isto está tudo perdido!”. O Matuto, com os pés no Brasil, afirma que apesar do rame-rame, da maledicência e da eterna espera por coisa nenhuma, Portugal é um país de mão cheia. E, se um Portuga disser o contrário é porque está com azia. Para combater e refluxo venham daí umas favas com chouriço. Satisfeito, o Matuto articulará um servil “obrigadinho” – que também é uma ‘preciosidade Lusitana’. Mas isso são outros quinhentos.