2025 já é o verão mais mortífero da última década

Desde 2014 que não morriam tantas pessoas entre 10 e 15 de agosto. Ondas de calor são consideradas causas principais. Mas a sobrecarga dos sistemas de saúde e a sua falta de qualidade também podem ter influência.

2025 já é o verão mais mortífero da última década

Ainda é cedo para os especialistas do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) fazerem uma qualificação do que se está a passar, mas parece seguro que os números negros do excesso de mortalidade neste verão representam um fenómeno inédito em Portugal. Entre 27 de julho e 15 de agosto morreram 1.311 pessoas acima do esperado, o que dá um excesso de mortalidade de 25%, segundo dados do INSA e da Direção-Geral da Saúde, com base nos certificados de óbito emitidos.

Comparando os valores absolutos de óbitos de 2025 com os de 2014 a 2024, verifica-se que entre 10 e 15 de agosto morreram mais pessoas do que em igual período de todos aqueles anos anteriores. O número que salta mais à vista é o do dia 11 de agosto, em que perderam a vida 347 pessoas em 2025, 315 em 2024, 303 em 2020 e 245 em 2014.

Outra comparação possível é com os anos anteriores à pandemia, de 2014 a 2019. Aí vemos que nos meses de julho e agosto muito raramente se morria tanto quanto em 2025 – com exceção dos dias 5 e 6 de agosto de 2018, em que houve 508 e 495 óbitos, que correspondem às cifras mais elevadas da última década.

O excesso de mortalidade no verão coincide com temperaturas extremamente elevadas durante vários dias seguidos. São frequentes as insolações e golpes de calor, e ainda a descompensação de doenças crónicas, segundo os médicos.

Esta semana o Instituto Português do Mar e da Atmosfera classificou o mês de julho em Portugal continental como «muito quente em relação à temperatura do ar e muito seco em relação à precipitação». A 31 de julho cerca de 67% do território estava em seca meteorológica e naquela data «teve início nos distritos de Viseu e Vila Real uma onda de calor que se prolongou pelo mês de agosto». Consideram os meteorologistas que ocorre uma onda de calor quando, durante seis dias seguidos, a temperatura máxima diária é superior em cinco graus ao valor médio de referência.
Portugal não é exceção no contexto europeu, pois segundo Ana Paula Rodrigues, médica de saúde pública do INSA, o efeito das temperaturas extremas na mortalidade, em particular o calor, «também é observado noutros países da Europa». Ainda assim, o nosso país «tem uma população envelhecida e com múltiplas patologias crónicas, o que a torna muito vulnerável ao efeito das temperaturas extremas, mas também das epidemias de gripe e de covid-19, em particular os idosos e os doentes crónicos».

‘Stress térmico’
As temperaturas elevadas «provocam uma sobrecarga no organismo, em particular no sistema cardíaco e respiratório, de modo a manter a temperatura corporal em níveis compatíveis com a vida», explica Ana Paula Rodrigues. «Há uma perda de líquidos, quer pela transpiração quer pela respiração, também para permitir o arrefecimento da temperatura corporal», o que pode levar a «desidratação e desequilíbrio hidroeletrolítico».

A especialista do INSA acrescenta que «as pessoas mais idosas e os doentes crónicos são os mais vulneráveis» a descompensações e a sofrerem os efeitos do calor, porque têm «menor capacidade de adaptação fisiológica ao stress térmico». Logo, é conveniente que os idosos e doentes crónicos mantenham uma «hidratação adequada» e estejam «em ambientes refrigerados durante algumas horas por dia de modo a que seja possível recuperar do stress a que o organismo é sujeito durante períodos de calor extremo».

No ano passado, entre 1 janeiro e 29 dezembro, foram reportados 118.360 óbitos em Portugal, dos quais 3.072 em excesso. Pelas contas do Departamento de Epidemiologia do INSA, tivemos dois períodos principais com óbitos acima do esperado em 2024: de 1 a 21 de janeiro, em grupos etários acima dos 45 anos, e de 22 de julho a 4 de agosto, sobretudo em mulheres com mais de 65 anos. Estes dois períodos «terão estado potencialmente associados à epidemia de gripe, ao período de maior circulação de covid-19 e ao período de calor extremo ocorrido em 2024», de acordo com a mesma fonte.

A comparação entre dados recentes de Portugal e de outros países europeus deve ser feita com cautela, segundo Ana Paula Rodrigues, porque o nosso sistema de vigilância da mortalidade é um dos que têm menor atraso no registo, e nem todos os outros países apresentam dados atualizados quase em tempo-real. Ainda assim, para períodos mais recuados a comparação tem fundamento.

Acesso à saúde como causa
O excesso de mortalidade em toda a União Europeia diminui no primeiro trimestre deste ano, situando-se em 4,4% em janeiro, 1,2 % em fevereiro e 0,7 % em março, segundo o Eurostat. No entanto, em março Portugal esteve à margem desta tendência. Logo abaixo de Malta, com uns surpreendentes 21,1%, o nosso país registou em março último a mais elevada taxa de mortalidade excessiva na Europa comunitária: 9,3%.

Mas não haverá outros fatores que sirvam de explicação à mortalidade acima do esperado? Um relatório do INSA de 6 de fevereiro do ano passado dizia que os fatores que levam ao excesso de mortalidade em Portugal podem ser «mitigados com adequada climatização dos ambientes, melhor controlo de doenças crónicas ou cuidados de saúde atempados, entre outras medidas». É possível, portanto, concluir que a sobrecarga dos sistemas de saúde e a sua falta de qualidade ou de capacidade, ou ainda a dificuldade de acesso de muitos cidadãos também por falta de dinheiro, podem levar a óbitos em excesso.

O Conselho das Finanças Públicas, no seu relatório ‘Evolução do Desempenho do Serviço Nacional de Saúde em 2024’, divulgado em 1 de julho, deixou escrito que «apesar dos progressos registados em 2024, nomeadamente na atividade cirúrgica e saúde materna, persistem dificuldades no acesso e qualidade dos cuidados». As «assimetrias» nos cuidados primários e na saúde mental, bem como uma «elevada proporção de utentes sem médico de família» e «elevados encargos diretos suportados» pelas famílias «continuam a limitar a equidade no acesso ao sistema».

AVC e tumores
O médico André Peralta Santos, atual subdiretor da Direção-Geral da Saúde, escreveu um artigo em 30 de agosto de 2022 para o site da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública onde referia que uma das explicações para o excesso de mortalidade em Portugal, ainda ano contexto da covid-19, estava «na alteração da intensidade e qualidade do acesso a cuidados de saúde». Concluía que «as alterações a que os sistemas de saúde foram sujeitos durante a pandemia levaram a quebras da quantidade e possivelmente da qualidade dos serviços de saúde prestados».

Quanto às causas de morte propriamente ditas, não são conhecidas em tempo-real. Há desfasamento entre a publicação dos dados e o período a que dizem respeito. O Instituto Nacional de Estatística divulgou em maio último a lista relativa a 2023. As doenças do aparelho circulatório, em que se inclui o AVC, foram a principal causa registada: 30.245 óbitos, que afetaram pessoas com uma idade média de cerca de 82 anos.

Em 2023, perderam a vida 118.947 pessoas em Portugal, menos 4,8% do que em 2022. Os tumores malignos terão determinado a morte de 28.267 pessoas com uma idade média de 73,9 anos e sobretudo do sexo masculino, sendo 4.490 destes óbitos atribuídos a tumores da traqueia, dos brônquios e dos pulmões.

As doenças respiratórias, incluindo a pneumonia, também originam uma elevada percentagem de óbitos, segundo os dados do INE. Em 2023, foram registadas como causas de morte de 13.150 pessoas, quase tantas do sexo masculino como do feminino, com uma média de 83 anos.