Uma task force para os incêndios

Enquanto o país ainda arde, aguardam-nos comissões de inquérito e investigações técnicas cujos resultados vão confirmar todos os diagnósticos que conhecemos.

O debate no Parlamento sobre os incêndios foi de uma irrelevância atroz. Mas que fique claro: é saudável que os deputados se debrucem sobre uma crise desta dimensão. Em democracia seria inaceitável, diria mesmo intolerável, que o assunto passasse à margem dos cidadãos. É no parlamento que o Governo deve dar explicações e haver escrutínio público.

Esteve bem o primeiro-ministro ao estar presente e ao dar esclarecimentos detalhados sobre o que sucedeu, sobre as medidas preventivas, sobre o combate que foi travado, recordando as condições climáticas extremas.

Infelizmente, a oposição mostrou que não estava ali para perceber a situação, para questionar o que não correu bem, para propor alguma coisa de novo. Não querendo julgar, a oposição optou por sentenciar. O PS quis acentuar a perceção de que o governo fora insensível, embora obviamente partilhe responsabilidades em matéria de incêndios – porque as árvores invasoras que arderam cresceram durante os seus mandatos, porque domina a Associação Nacional de Municípios Portugueses, porque definiu um conjunto de medidas pós-Pedrógão que se comprovou ser inadequado ou insuficiente. Já a IL assume hoje, com a sua nova líder, uma retórica radical, talvez por não saber como inovar. O Chega foi igual a si mesmo, disparando em todas as direções, ainda que tenha toda a razão quanto aos pirómanos e incendiários que atuam com grande impunidade. A extrema-esquerda, como parece ser sua sina, foi irrelevante.

Enquanto o país ainda arde, aguardam-nos comissões de inquérito e investigações técnicas cujos resultados vão confirmar todos os diagnósticos que conhecemos. Ora, o que verdadeiramente falta é uma task force que implemente as medidas que sabemos necessárias há décadas, que quebre a ‘luta de galos’ entre proteção civil e bombeiros, que obrigue as autarquias mais laxistas a tomarem medidas, que identifique os proprietários da floresta ao abandono, que congregue investidores e convoque os melhores especialistas em planeamento agrário e florestal. Tal como sucedeu na pandemia, só uma task force com poderes efetivos pode romper as amarras do corporativismo e suster o ‘achismo’, evitar a dispersão de recursos e fazer uma radiografia da incompetência que se esconde do escrutínio na coragem de quem, sob o seu comando, combate no terreno.

É também essencial fazer pedagogia junto dos juízes, para que as medidas de coação aplicadas aos arguidos por fogo posto não sejam irrelevantes. Importa, por exemplo, saber quem montou armadilhas que dificultaram a recolha de água e rasgaram os sacos dos helicópteros em pontos que haviam sido identificados e mapeados. Esta é uma sabotagem de que não se fala, por ser mais demagógico invocar eventuais interesses obscuros na contratação de meios aéreos.

Sim, estando tudo analisado, estando tudo diagnosticado, não precisamos de mais estudos. Se optámos por demolir construções ilegais para impedir a erosão da orla costeira, o mesmo tem de ser feito na floresta. Não se pode deixar arder centenas de hectares para proteger um pardieiro ilegal. Também não necessitamos de legislação inaplicável, que exige dos pequenos proprietários recursos humanos indisponíveis e meios materiais incomportáveis.

Sim, é necessário um consenso para a criação de uma estrutura de missão, com poderes especiais atribuídos pelo Parlamento. Se o modelo funcionou na crise da covid-19, porque não há de funcionar com os incêndios?