A grande encenação

Numa altura em que Trump tenta impor a ordem pela força em cidades governadas por democratas, interessa-lhe exibir pulso de ferro em águas internacionais.

Há dias, o Presidente Trump anunciou que a Marinha americana tinha destruído um navio pretensamente utilizado por narcotraficantes, matando os seus 11 tripulantes. A operação decorreu em águas internacionais, nos mares das Caraíbas. As imagens facultadas mostram que se tratava de uma pequena embarcação, semelhante às ‘voadoras’ que operam nas nossas águas.

Ainda que os Estados Unidos não sejam signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, é inquestionável que esta ação é desproporcionada e estabelece um precedente. Porque a convenção se limita a espelhar um velho consenso segundo o qual, com raras exceções ou em situação de guerra, não deve haver interferência com embarcações que operem em águas internacionais. Também não há notícia de que tenha havido advertência à tripulação ou tentativa de imobilizar o navio de forma não letal, o que permitiria verificar e capturar a sua carga e tripulação.

Tudo isto parece irrelevante no atual contexto. Tanto mais que os Estados Unidos destacaram para a costa da Venezuela um importante dispositivo naval, que inclui um submarino nuclear, e anunciaram o propósito de combater o narcotráfico na região. A postura agressiva do Pentágono, reforçada com meios aéreos que irão operar a partir de Porto Rico, já levou Nicolas Maduro a agir ou a fingir que age, anunciando o envio de tropas do seu país para tentar controlar áreas que estão assinaladas como rotas do tráfico. É sabido que o regime bolivariano de Caracas é um hub para o tráfico de droga e um santuário para organizações terroristas, tendo relações com os guerrilheiros do ELN da Colômbia. Há, de resto, provas cabais de que Maduro e os seus generais controlam o cartel de Los Soles.

Contudo, a destruição do pequeno navio não parece ser mais do que uma manobra de diversão da Administração Trump para, dentro de portas, mostrar músculo no combate ao narcotráfico e fingir que quer ajudar à destituição de Maduro. Na verdade, em janeiro, o enviado de Trump, Richard Grenell, visitou Caracas, onde negociou a libertação de seis cidadãos americanos acusados de conspiração contra o regime. E foi logo anunciado que Maduro aceitaria o repatriamento de venezuelanos deportados pelos Estados Unidos.

Em suma, tudo parece fazer parte de uma encenação com a habitual dose de exibicionismo. Desde logo, porque o alvo atingido não tem qualquer relevância nem justifica os recursos militares que foram deslocados para a zona. Acresce que, pese embora a retórica mútua, a Venezuela vende petróleo aos Estados Unidos, tendo sido o seu quarto maior fornecedor em 2024. E, enquanto assim for, os Estados Unidos não terão interesse em invadir o seu fornecedor ou promover uma mudança de regime.

Aperfeiçoa-se a velha e fracassada estratégia da DEA (Drug Enforcement Administration), criada por Nixon, em 1973, com o objetivo principal de combater as fontes de fornecimento da droga. Incapaz de travar a distribuição e consumo domésticos, a agência utilizou, fora das fronteiras, estratégias de combate envolvendo missões militares, sabotagem política e assassinatos seletivos. Estratégias, essas, que não seriam toleradas nos Estados Unidos, onde violariam a lei e as liberdades cívicas.

A verdade é que a situação da droga tem piorado ano após ano, estando, em muitas cidades americanas, fora de controlo. Numa altura em que Trump tenta impor a ordem pela força em cidades governadas por democratas, interessa-lhe exibir pulso de ferro em águas internacionais. Entretanto, continuará a fazer negócios e a garantir a compra de petróleo barato à Venezuela.