Sobreviver na selva

Temos uma condução cada vez mais agressiva, quer nas localidades quer fora delas.

Estando a União Europeia a preparar um novo regime de condução acompanhada para menores de 17 anos, veio o Governo propor a redução de 32 para 16 horas mínimas de aulas práticas nas escolas de condução, que será complementada pelo acompanhamento de um tutor, conforme está previsto na lei desde 2014. O projeto propõe ainda que a condução acompanhada por um tutor exija a identificação do veículo, o qual não poderá circular em autoestrada.

No Reino Unido, há décadas que existe tal medida. No Brasil, o debate é mais radical: o ministro dos Transportes defende o fim da obrigatoriedade dos cursos de formação teórica e prática para a obtenção da carta de condução. Como sucede, de resto, em vários Estados americanos, onde qualquer cidadão pode submeter-se a exame para obter a licença sem aulas teóricas ou práticas. Esta questão é relevante, dado o número de cidadãos brasileiros a residirem em Portugal e que podem conduzir legalmente no nosso país, desde que tenham uma Carteira Nacional de Habilitação válida.

Sem surpresa, a Associação Nacional de Escolas de Condução Automóvel veio alertar para os riscos para a segurança rodoviária, invocando que se está a substituir a formação atualmente ministrada por profissionais habilitados. Compreende-se que há um sério risco para o negócio das escolas, o que certamente pesa na opinião da associação que, aliás, não deixou de avisar que estão em jogo quatro mil postos de trabalho. E recorda que os instrutores têm competências técnicas e didáticas que não estão asseguradas no caso do tutor. Resta saber se o argumento é válido num país que tem uma sinistralidade rodoviária com uma taxa de mortalidade de 60 óbitos por milhão de habitantes. Taxa, essa, que é muito superior à média comunitária, tem uma evolução na redução mais lenta do que nos outros Estados-membros e figura como a mais elevada da União Europeia em atropelamentos mortais.

Para além do excesso de velocidade e da condução sob o efeito do álcool, consequência da impunidade propiciada pela ausência de fiscalização, há um acréscimo de sinistralidade que resulta do uso do telemóvel ao volante, do estacionamento indevido (nomeadamente em passadeiras) e, goste-se ou não, da imperícia de muitos condutores, particularmente nas autoestradas. Veja-se o que acontece em vias com três faixas: a da direita raramente é utilizada, o que introduz um fator de risco.

Temos uma condução cada vez mais agressiva, quer nas localidades quer fora delas. Sei que é uma questão de civismo e que há cidadãos, em particular seniores, cuja perícia não é adequada à condução. Mas sei também que há um problema com a formação, que desmente os argumentos da associação.

É evidente que a aprendizagem prática nas aulas de condução, ao decorrer numa rua ou avenida, não prepara o futuro condutor para a selva da estrada. O mais importante não é saber estacionar sem deixar descair o automóvel ou galgar o passeio. O que falta é ensinar o candidato, ou aquele que volta a ser avaliado, a reagir adequadamente quando confrontado com as circunstâncias que irá encontrar como condutor. Importa saber calcular, intuitivamente, a distância a que se deve circular do veículo da frente, qual a forma de ultrapassar com segurança e como reagir a um peão ou a um qualquer obstáculo.

Manobras que, infelizmente, não são relevantes na atual formação. Uma das coisas que poderia ser introduzida por lei, com vantagens para o negócio das escolas e para a segurança rodoviária, era a utilização de simuladores. Equipamento hoje relativamente acessível, que permitiria avaliar e corrigir a destreza e reação dos condutores em situação de risco iminente, como, seguramente, vão encontrar no mundo real.