Benavente. O templo da discórdia

Todas as candidaturas dizem não fazer sentido a construção de uma mesquita no concelho.

A eventual construção de uma mesquita em Samora Correia está a marcar a campanha eleitoral para as autárquicas de outubro em Benavente, numa polémica que ameaça alastrar-se além fronteiras do concelho que vai receber o futuro Aeroporto Luís de Camões, que serve Lisboa.
O presidente da Associação Ahmadia do Islão em Portugal, Fazal Ahmad, assegurou ao Nascer do SOL que vai entregar o projeto do complexo da mesquita à futura gestão municipal saída das eleições.

«Já temos um projeto e é para seguir em frente. Vai dar entrada na Câmara após as eleições. Vamos seguir as normas legais do país e avançar», disse.
Apesar de um abaixo assinado que circulou entre a população de Samora Correia expressar inequivocamente oposição à construção do templo, Fazal Ahmad respondeu que a futura mesquita «integra-se claramente na comunidade local» e por isso não vê «razões para desistir».

«A mesquita vai servir uma comunidade de fiéis em Samora Correia e Porto Alto. Vamos seguir normalmente e defender os nossos direitos», afirmou, lembrando que o terreno onde o templo deverá ser edificado «esteve ali muito tempo para venda e ninguém lhe pegou ou exerceu o direito de preferência. Alguém o podia ter comprado antes».

Ao Nascer do SOL, os cabeças-de-lista das principais forças políticas candidatas à presidência da Câmara rebateram as declarações do líder da associação religiosa, argumentando que não veem qualquer razão para a construção de uma mesquita em Samora Correia, sobretudo porque se desconhece a existência de uma comunidade local de fiéis muçulmanos.
Hélio Justino, candidato da CDU, coligação que domina há décadas o concelho, disse que o «tema mesquita é um não assunto, já que não foi entregue qualquer projeto na câmara».

Sobre a eventual entrada de um projeto para edificação da mesquita, Hélio Justino assinalou que «existe desde logo um entrave, do ponto de vista técnico». «Apesar de terem de ser os técnicos do município a avaliar o projeto, o terreno, naquela zona, destina-se a habitação e não à construção de um templo, de uma mesquita. É esse o nosso entendimento. Já do ponto de vista político, com a comunidade que temos, no concelho e na freguesia, não se justifica a construção de uma mesquita», concluiu.

Sónia Ferreira, candidata pela Aliança Democrática (AD), segue a mesma linha de argumentação. «Em primeiro lugar, trata-se de um tema que não é assunto. O que temos dito é que, para se falar sobre o tema, é preciso que haja projeto, saber o que querem, para nos pronunciarmos com seriedade». E prosseguiu: «Olhando para o Plano Diretor Municipal (PDM), e aquilo que se diz que vai ser ali edificado, à partida parece não haver instrumentos legais para impedir a construção. Mas há depois uma série de licenciamentos que, uma vez não emitidos, podem impedir a obra. São condicionantes de nível técnico que podem de forma legal levar a impedimentos».

«Temos de ser cautelosos. Saber ouvir e sentir a população. Mas, num Estado de direito, temos de cumprir as leis. E há liberdade religiosa. Já do ponto de vista político, não faz sentido construir um templo num espaço em que não há uma comunidade religiosa dessa confissão. E a população já se manifestou contrária à construção, enão se pode ir contra essa vontade. Mas temos de respeitar a Constituição», concluiu.

Pedro Gameiro, candidato do PS, é categórico: «Se for eleito e o projeto da mesquita der entrada, a Câmara vai expropriar o terreno. Aqui não há condições para construir uma mesquita. Ponto final». «Samora Correia é a cidade que mais cresce no distrito de Santarém. No concelho faltam equipamentos, habitação, etc. Aquele terreno estava identificado e temos inclusive um projeto para um parque urbano. Além da expansão demográfica há outras condicionantes. O terreno está no centro da cidade, junto ao quartel dos bombeiros, a uma ciclovia e a uma linha de água. Não faz sentido construir ali uma mesquita», adiantou. Para terminar: «Nada se deve sobrepor à vontade da população que já se manifestou contra. Se for eleito presidente e insistirem no projeto, e não se chegar a acordo na esfera municipal para parar a iniciativa, em nome do interesse público, expropria-se o terreno».

Frederico Antunes, cabeça-de-lista do Chega, foi igualmente perentório: «A mesquita não pode existir». «Ao contrário das outras candidaturas, que dizem que não existe uma comunidade de fiéis que justifique a construção da mesquita, o Chega diz não, quer a comunidade de muçulmanos tenha um, dez, cem, mil ou dez mil fiéis. Não é não», repetiu. «A liberdade das mulheres e o direito à educação das crianças na escola sobrepõe-se à laicidade do Estado. São valores inscritos na Constituição. Existem dezenas de religiões no país, mas são pacíficas, a Ahmadia não. São agressores de mulheres, de crianças, predadores sexuais. O Chega nunca vai aceitar a mesquita aqui. Tudo faremos do ponto de vista técnico para impedir a construção. Arranjem outro sítio. Aqui não. Não há negociação possível», atirou o candidato.

Por seu lado, Carlos Coutinho, atual presidente da Câmara eleito pela CDU e que não pode recandidatar-se por ter atingido o limite legal de três mandatos consecutivos, em depoimento enviado ao Nascer do SOL assegurou que «só há construção se o projeto for licenciado» e até ao momento não deu entrada nos serviços qualquer projeto para a construção de uma Mesquita. Todavia, o edil confirmou ter realizado uma reunião informal com a Associação Ahmadia, a pedido desta, ainda em 2024, e que, na qualidade de presidente do município, transmitiu a opinião de que «não faria sentido construir uma mesquita no concelho» por não haver «uma comunidade que o justifique, além de outras possíveis considerações que se possa ter». Lembrou ainda que numa conversa informal com os vereadores sobre o tema expressou o entendimento de que não se devia construir ali a mesquita e que toda a vereação se manifestou e expressou em desacordo com a construção da mesquita. «Posteriormente, houve unanimidade numa reunião em que todos os vereadores expressaram desacordo com a construção da mesquita. Não é um futuro de ódio, é um futuro de respeito», assinalou.

O presidente da Junta de Freguesia de Samora Correia, Augusto Marques (CDU), lembrou que as entidades locais «não podem impedir que seja entregue um qualquer projeto», recordando que o terreno em causa «é privado, e do ponto de vista urbanístico e técnico está classificado para área residencial». «Na qualidade de presidente da Junta de Freguesia de Samora Correia assinalo que não há uma comunidade muçulmana local que justifique a edificação de um templo dessa confissão. Poderão ainda surgir questões técnicas do ponto de vista legal. Parece uma coisa um pouco forçada. Fazia mais sentido discutir um tema destes for a do período eleitoral», concluiu.

De acordo com o presidente da Associação Ahmadia do Islão em Portugal, Fazal Ahmad, o projeto compreende uma mesquita e outros equipamentos, designadamente uma biblioteca, gabinetes, uma cozinha e cantina e uma sala de atividades de desporto, destinado não só aos fiéis, mas para serem utilizados pela comunidade local, dentro das normas municipais.