O Matuto anda a reler os clássicos. Especialmente, Eça de Queirós. “A Cidade e as Serras” sempre foi um favorito do Matuto. No Brasil, este país que tão generosamente acolheu o Matuto no seu seio, existem os ‘sebos’ – casas de livros em segunda mão com muitos livros sebosos. Precisamente. Todavia, há uns meses o Matuto descortinou uma edição belíssima de “A Cidade e as Serras”. Capa dura com dourados e folhas de gramagem considerável. Uma delícia. Imediatamente o Matuto mergulhou nas aventuras de Zé Fernandes e do seu amado príncipe Jacinto.
A meio do livro, Zé Fernandes é acordado por uma “fardeta”, um “boné” que “murmura com imensa doçura”: “Vossas Excelências não têm nada a declarar? Não há malinhas de mão?” Zé Fernandes ainda meio estremunhado de sono, percebe que tinha deixado para trás a rudeza da noite Espanhola e que acordara em Portugal. A “fardeta” desapareceu como “sombra benéfica”, e lá fora reinava um “doce silêncio e uma estação muito sossegada, com roseiras brancas trepando pelas paredes… um tanquezinho abafado de limos dormia sob duas mimosas em flor que recendiam… Um moço pálido, vergando a bengalinha contra o chão, contemplava pensativamente o comboio”. O Matuto nota o curioso uso dos diminutivos. Algo muito Português. Dona Sirlei, a gentil esposa do Matuto, quando quer mangar com ele, solta um tropicalizado: “tá bonzinho, tá!” E o Matuto responde com um lusitano: “Sim, Sirleizinha! Obrigadinho.”
Ora, numa das suas crónicas, José Cutileiro, dá conta duma deliciosa explicação sobre o uso Português dos diminutivos. Parece que Gérard Castelo Lopes tinha uma teoria que contou a António Tabucchi que por sua vez passou a José Cutileiro. Reza a história que Gérard Castelo Lopes pensava que os Portugueses usam diminutivos “para mostrarmos ser bem-educados e darmos a primazia ao nosso interlocutor. Ao usarmos diminutivos, colocamo-nos em posição respeitosa perante a pessoa com quem falamos”. Foi precisamente isso que a “fardeta” de “A Cidade e as Serras” fez ao chamar “malinhas” às malas dos viajantes (mesmo sem as ver), e foi isso que o Eça fez ao descrever o “tanquezinho” da estação e a “bengalinha” do jovem. Nesses diminutivos vinha toda uma sugestão de hospitalidade e bonomia. Uma rejeição de hostilidades. Mais ainda tratando-se duma fronteira. O Matuto tem memórias bem agressivas de episódios em fronteiras…
A exuberância dos diminutivos Portugueses está a conquistar o mundo. Recentemente, o Matuto foi brindado com “beijinhos” por uma colega de trabalho. O Matuto sorriu meio assarapantado. E a colega: “ué! Em Portugau o ‘oi’ é beijinhos, né!” É verdade! Até existe o clássico, “beijinho grande” que de acordo com o Professor Marco Neves não é uma contradição porque “beijinho” carrega uma ideia de ternura e carinho. Portanto, o carinho pode ser muito ou pouco. O Matuto espera que se alguma dias as coronárias Matutinas se revoltarem que ocorra um “enfartozinho” (do miocárdinho, está bem de ver).
No fundo, o diminutivo é o lubrificante social do Português: adoça discussões, amacia fronteiras e até faz cócegas ao coração. E, quem sabe, talvez seja por isso que o Matuto, em vez de envelhecer, se vá apenas transformando num “velhinho resmungão”. Hoje em dia, o Matuto contenta-se com um “cafezinho”, um bom “livrinho” e uma “musiquinha” na vitrola, enquanto sopra um “beijinho” para Dona Sirlei. Só isso salvará este mundo de cair no ridículo.