Mithá Ribeiro rompeu de forma definitiva com o Chega e com André Ventura, deixando uma longa carta pública repleta de acusações diretas, duras e sem rodeios.
O agora ex-deputado descreve o partido, num artigo de opinião publicado no Observador, como “cada vez mais disfuncional no sentido patológico do termo” e acusa Ventura de exercer “abuso de poder narcísico”, centrando o Chega em si próprio e impedindo o desenvolvimento de um verdadeiro projeto coletivo.
“As reformas necessárias não chegam ao sujeito coletivo por serem sugadas por um único sujeito individual. Isso tem nome: abuso de poder narcísico”, escreve Mithá Ribeiro.
A gota de água para a saída do também antigo vice-presidente do partido deterá sido o anúncio do governo sombra, onde não foi consultado nem incluído, apesar de, segundo o próprio, ter moldado a política do Chega para o ensino desde 2020.
“Foi a derradeira oportunidade que poderia conceder ao predador psicológico André Ventura de anular a minha existência”, sublinhou.
Mithá Ribeiro acusa o líder do partido de destruir por dentro todas as tentativas de estruturação e profissionalização da organização. Recorda, por exemplo, a criação do Gabinete de Estudos e a tentativa de construir um programa político coerente e estável, que foi boicotada por Ventura com a imposição das “100 medidas” antes das eleições de 2022. Essa interferência foi o que considerou o início do fim da ambição reformista: “Foi a primeira prova da destruição do Chega enquanto partido reformista, hoje tão falhado quanto PS e PSD na matéria.”
O ex-deputado continua o texto no mesmo tom crítico e não poupa palavras para descrever o perfil de Ventura, a quem acusa de frieza, egocentrismo, insensibilidade social, manipulação e de promover uma cultura de cancelamento contra quem o confronta ou pensa de forma autónoma.
“André Ventura é demasiado inteligente para, ao fim de quatro anos, não compreender ser o primeiro e principal traidor da essência política formalmente instituída pelo seu próprio partido, mas a sua impossibilidade de olhar o meio envolvente sem o filtro narcísico move-o numa cruzada insana contra o sujeito coletivo”.
“O Chega não sairia da infância enquanto militantes e simpatizantes pensassem e atuassem na lógica do partido do André e não do meu partido.”
Mithá também relata episódios em que foi alvo de censura dentro do partido, incluindo a proibição de abordar a questão do racismo no Parlamento, apesar de considerar essa uma das suas principais missões políticas e pessoais:
“Acabei cancelado num aspeto íntimo da minha identidade pessoal. […] André Ventura é incapaz de conter a sua frieza narcísica”.
Ao descrever o que considera ser um padrão de perseguição interna, narra o momento em que foi afastado do Gabinete de Estudos após publicar um texto crítico de Pedro Arroja: “Foi o escalar da minha caçada psicológica pelo indomável predador narcísico, a pretexto de o ter contrariado.”
O partido, segundo Mithá Ribeiro, tornou-se um espaço controlado pelo ego do líder e dominado por uma cultura de bajulação e medo. Aponta ainda o dedo ao presidente da distrital de Leiria, Luís Paulo Fernandes, como exemplo de caciquismo, dizendo que foi um dos principais responsáveis por tentar impedir a sua eleição como deputado.
“Acontece que a ira e a soberba são pecados mortais, e como ser-me-ia impossível conter críticas ao desastrado governo sombra, isso iria reativar os piores instintos do predador narcísico”, acrescenta.
A sua saída surge, assim, como um gesto de rutura total. Considera que o Chega perdeu qualquer capacidade de crescer ou atrair pessoas qualificadas, reduzido a uma “névoa mental depressiva”. Conclui com uma crítica feroz ao que considera ser a imaturidade destrutiva do partido sob Ventura: “André Ventura mudou para sempre Portugal ao escancarar as portas da liberdade à direita, mas a sua personalidade tóxica envenena o que ele mesmo semeou”.
Mithá Ribeiro sai assim do Chega em total rutura com a liderança, mas reivindicando ter deixado uma marca na política à direita. Deixa ainda um aviso: “Entregar o poder a um político com tal perfil psicológico é construir um muro de betão contra o uso social da razão, e rumar ao paraíso de ignorantes”.