Médio Oriente. Entre a incerteza e a esperança

J.D. Vance visitou Israel nos últimos dias. O empenho dos EUA na paz é visível, mas rejeitam o papel de ‘babysitter’. A concretização do acordo é incerta, mas Vance mantém a esperança

O vice-presidente dsEstados Unidos, J.D. Vance, esteve em solo israelita na última semana. Uma visita que se segue à do presidente do Donald Trump e que antecede a do Secretário de Estado Marco Rubio, cristalizando assim o empenho que a administração americana tem colocado na concretização do histórico acordo de paz que forjou no último mês. Por outras palavras, as visitas de alto nível são um forte indício de que Washington está altamente comprometido, ao mesmo tempo que, nega o papel de «babysitter».

Com a primeira fase em curso e com todos os reféns israelitas vivos de volta à terra natal – bem como o fim da incursão das Forças de Defesa de Israel na Faixa de Gaza, a incerteza quanto à concretização da segunda fase – num momento em que a entrega dos reféns israelitas mortos já ultrapassou largamente o prazo de setenta e duas horas inicialmente definido – vai crescendo. Uma incerteza que Vance menosprezou. E se o vice norte-americano voltou a dizer que Israel é um aliado, não um ‘Estado-vassalo’ também não poupou críticas quanto a uma votação que teve, esta quinta-feira, lugar no Knesset – o parlamento israelita – sobre a questão da Cisjordânia e que poderá colocar em causa a estabilidade e a reconciliação na região que Washington tem tentado tão dedicadamente lograr.

Além da diplomacia intensa e das questões técnicas inerentes à política externa também houve espaço para a religião durante a estada de Vance na Terra Santa.

Ponto de situação

Sabia-se de antemão que o acordo de cessar-fogo em Gaza padecia de várias fragilidades. O que é natural em processos de paz que ambicionam colocar um ponto final num conflito histórico como este. 

Várias ocorrências já foram responsáveis pelo deteriorar da esperança e da confiança mútua – esta segunda nunca foi elevada, pelo contrário. A Al Jazeera, uma fonte que não é propriamente conhecida pela imparcialidade no relato deste conflito específico, publicou uma peça na segunda-feira com o título «O cessar-fogo em Gaza foi quebrado», seguido de uma entrada que diz o seguinte: «O frágil cessar-fogo para pôr fim à guerra de dois anos de Israel contra Gaza está por um fio, com a passagem de Rafah fechada e a ajuda humanitária restringida». 

No corpo da notícia, o jornalista Yashraj Sharma escreve que «Israel matou quase 100 palestinianos em Gaza e feriu 230 desde que a frágil trégua mediada pelos Estados Unidos entrou em vigor a 10 de outubro» e que «[d]urante um período tenso de acusações e contra-acusações, o exército israelita disparou contra palestinianos desarmados e bombardeou Gaza em mais de uma ocasião. A última foi no domingo, quando alegou que combatentes do Hamas tinham atacado os seus soldados na área de Rafah, controlada por Israel». 

Trata-se de um relato que, naturalmente, Telavive associa à conduta do Hamas. Gideon Sa’ar, ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, citado pelo The Times of Israel, disse numa conferência de imprensa que o seu país «está empenhado em trabalhar para o sucesso do plano do presidente Trump. Existem dificuldades, mas estamos a fazer e faremos tudo o que pudermos para trabalhar para o seu sucesso», ao mesmo tempo que criticou duramente a organização terrorista que domina o enclave: «o Hamas deve respeitar o acordo. Sabemos que pode facilmente devolver a maioria dos 13 reféns mortos restantes», salientando que o Hamas está a «retardar lentamente o regresso para adiar a segunda fase do depor as armas». «O Hamas e a Jihad Islâmica devem depor as armas. Gaza deve ser desmilitarizada… Isso está no cerne do plano de Trump», continuou o chefe da diplomacia israelita. «Não faremos concessões a esse respeito», concluiu, reforçando a ideia de que «os ataques do Hamas às nossas forças não serão tolerados. Serão respondidos com força» e criticando duramente o silêncio da comunidade internacional perante as «execuções públicas em massa» levadas a cabo pelos terroristas contra o povo palestiniano.

Mas se a fragilidade do acordo é evidente, Vance menosprezou-a. Citado pela CNN, o vice-presidente dos Estados Unidos referiu que os desenvolvimentos da última semana o «deixa[m] muito otimista quanto à manutenção do cessar-fogo», mesmo admitindo que não tem 100% de certeza quanto ao funcionamento deste último. Disse ainda, desta feita citado pela BBC, que o plano está «a correr melhor que o esperado». E, tal como Sa’ar, Vance lançou ataques e ameaças ao Hamas: «Se o Hamas não cumprir o acordo, coisas muito ruins vão acontecer. Mas não vou fazer o que o presidente dos Estados Unidos se recusou a fazer até agora, que é estabelecer um prazo explícito, porque muitas dessas coisas são difíceis».

Mas o último dia da visita de Israel fica marcado por uma votação no Knesset, que acabou por aprovar a anexação da Cisjordânia – algo que não estava nos planos de Washington. A proposta mereceu a oposição do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que classificou a votação – 25 a favor, 24 contra – como «uma provocação política deliberada da oposição para semear discórdia durante a visita do vice-presidente J.D. Vance a Israel», acrescentando que «[o]s dois projetos de lei foram patrocinados por membros da oposição do Knesset». A Casa Branca também não poupou críticas, com Vance a dizer que, se foi realmente uma manobra política, então foi «uma manobra política muito estúpida», concluindo que chega até a ser insultuosa. 

O Príncipe da Paz

Mas, independentemente disto, a esperança, e sobretudo a fé, numa paz sólida e duradoura continua bem patente na segunda figura mais alta da administração norte-americana: «Como cristão, e penso que os cristãos de todo o mundo sabem disso», disse Vance numa conferência de imprensa, «este país, esta região do mundo, significa muito para mim. (…) Os cristãos têm muitos títulos para Jesus Cristo, e um deles é Príncipe da Paz, e peço a todas as pessoas de fé, em particular aos meus irmãos cristãos, que rezem para que o Príncipe da Paz possa continuar a fazer milagres nesta região do mundo. Acho que fizemos avanços incríveis na semana passada, teremos de fazer muito mais, mas acho que com as vossas orações, com a providência de Deus e com uma equipa muito boa a apoiar-me [apontando para Steve Witkoff e Jared Kushner], acho que vamos conseguir».