O Matuto e as Selfies

Matuto chega à conclusão que um dos males da existência é o narcisismo desenfreado que o mundo abraçou. Urge trazermos para a luz do dia – sugere o Matuto – esta ideia Pascaliana de um ‘anti-humanismo’.

O Matuto nunca tirou uma selfie. Para espanto da comunidade estudantil deste maravilhoso país que o acolheu tão generosamente no seu seio, o Matuto não tem telemóvel (celular, no Brasil, por favor). E, não tem nenhuma intenção, de comprar tão indigesto artigo. Todavia, o Matuto permite-se incursões rápidas ao Facebook porque um velho conservador sempre tem laivos de inaudita vaidade. Mas, adiante! Esta semana o Matuto assistiu a uma ligeira briga, onde uns Facebookianos, lançavam setas envenenadas tipo: vai, mas é ler Tomás de Aquino; falta-te saber mais Erasmo de Roterdão, e outra diatribes teológicas. O Matuto, achou tudo uma grande maçada. Tossicou. Coçou a cabeça. Alisou a barba. E pensou em Pascal (1623-65).

 Ao serão, na “Casa das Pontes”, a discussão foi viva. A Belinha – a visita conservadora das ‘Pontes’ – falava meio brava: “esse tal de Pascal é um tonto. Diz que as mulheres grávidas ou as que amamentam, sei lá, são infelizes porque têm ligações mais estreitas ao mundo que as prende, é totalmente grotesco”. O Sr. Rocha – a visita letrada das ‘Pontes’ – ficou assarapantado com esta explosão. Por vezes a Belinha é uma força da natureza. “Isso é tão, tão… ahhhmmm…” – o Sr. Rocha tacteando pelas palavras é coisa rara – “tão primário que até dói”. E, inflamado, coçando a careca, continuou: “ele está tratando do ennui – tédio -da humanidade. Como as mulheres estão mais profundamente ligadas ao mundo material do que os homens, isso as torna mais susceptíveis às distrações e tentações terrenas. Ele está falando da ‘graça eficaz’ de Deus que nos alcança, mesmo sendo nós imperfeitos”. O Marcello – a visita reacionária das ‘Pontes” – sempre mete o bedelho quando a questão é religião: “é a célebre ideia de que o homem é insuficiente! Estes Cristãos só botam abaixo a humanidade. É uma falta atroz de auto-estima. Arre!” “Qual auto-estima, qual carapuça” – o Sr. Rocha argumenta como um pedreiro por vezes. Energicamente continua: “trata-se de auto-suficiência, mas é! Por causa da sua constituição desgraçada o homem tem uma abertura para o sobrenatural. É essa brecha que permite a intervenção divina”. O Matuto aprecia esta rodada de ideias. Santo Agostinho não diria melhor.

Matutando mais a fundo o Matuto chega à conclusão que um dos males da existência é o narcisismo desenfreado que o mundo abraçou. Urge trazermos para a luz do dia – sugere o Matuto – esta ideia Pascaliana de um ‘anti-humanismo’. Narciso, era o jovem que se apaixonou pelo próprio reflexo na água e acabou afogado. “Ora, se Narciso não ficasse obcecado com a sua iamgem, talvez enxergasse coisas para além do seu próprio ego – self (que deu origem a selfie). A opção hoje é pelo ‘Narciso’ em nós, perdido nas redes, nos elogios e nas selfies, sem percebermos que a vida passa, silenciosa, à margem dos nossos reflexos” – medita o Matuto.

“Isto, anda tudo doido!” – insinua Dona Sirlei, a gentil esposa do Matuto. Coçando a barba o Matuto lá vai suspirando: “A vida virou uma dança e contradança entre Pascal e Narciso. Entre santos imaginários e selfies sem alma. Uns choram emojis, outros gritam hashtags. Há homens que juram que nasceram com corpo de cavalo, outros a chupar chupetas como se não tivessem crescido, há homens que querem virar mulheres e mulheres que querem virar astronautas, outras dão à luz bebés reborn, e ninguém percebe que a vida gira em círculos, como um polvo bêbado, nas nossas costas”. E, a teologia moderna, não passa duma tentativa de ensinar um pato a dançar ballet – desconfia o Matuto. É o festival do absurdo!