Aqui há tempos, precisando de espairecer depois de uma leitura muito carregada de erudição de gabinete, escolhi um livro que sabia que me iria levar às grandes savanas de África, mas também às galerias, restaurantes, bares e discotecas da moda de Nova Iorque: uma biografia do fotógrafo e playboy Peter Beard, publicada dois anos após a sua morte em 2020.
Intitula-se Wild: The life of Peter Beard – photographer, adventurer, lover, e é da autoria do jornalista Graham Boynton.
Nascido em 1938 numa família onde confluíam duas grandes fortunas – a de William Beard, um dos principais promotores de obras públicas na Brooklyn do século XIX, e a de James Jerome Hill, magnata dos caminhos-de-ferro, que mandou erguer uma mansão com 13 casas-de-banho e 22 lareiras e que terá dito um dia: ‘Deem-me suecos, rapé e uísque e construirei um caminho de ferro no inferno’ –, Peter herdou destes antepassados a ousadia e alguma da fortuna, mas de modo algum o jeito para as contas…
Um dos acontecimentos da sua juventude foi a leitura de África Minha, de Karen Blixen, que o deixou a ansiar por África. Mas essa leitura não teria tido o mesmo impacto se não fosse, alguns meses depois, a visita ao colégio interno onde ele estudava do explorador, escritor e realizador Quentin Keynes, neto de Charles Darwin. No final da palestra de Keynes, Beard foi ter com ele. Quando horas depois regressou ao seu quarto, não cabia em si de contente: ‘Vou com ele para África este verão!’, contou ao seu melhor amigo. Tinha 17 anos quando viveu esta sua primeira aventura africana.
De volta à América, estudou História da Arte em Yale mas não é exagerado dizer que o seu coração estava em África, e em 1960, antes de entrar no último ano do curso, regressou ao Quénia, onde comprou um jipe Land Rover e uma espingarda Mauser para caça grossa. Na companhia de um guia com grande experiência de mato, partiu à aventura. No seu célebre livro de 1965 The End of the Game, descreveria como matou o maior hipopótamo de uma manada. Atingido, o animal afundou-se no lago e só horas depois, quando os gases no estômago se expandiram, voltou à superfície. Beard fotografou os nativos a esfolarem-no e a cortarem a carne para a assarem e comerem.
A este safari de três meses seguiu-se um contrato para fazer controlo da população de animais selvagens numa propriedade com quase 70 mil hectares. As condições eram duras: uma tenda espartana, longas caminhadas a perseguir os animais, nenhum dos confortos da civilização – exatamente como Beard gostava.Em 1961, já tinha o curso terminado e um conhecimento em primeira mão e relativamente aprofundado de África. Mas faltava-lhe conhecer cara a cara a autora que estivera na origem desta paixão e destas aventuras. A caminho de Nairobi pela terceira vez, fez uma paragem em Copenhaga. A sintonia entre Beard e a baronesa Blixen foi perfeita e imediata. Ojovem admirador mostrou-lhe as fotografias que fizera em África e falou-lhe do projeto de um livro sobre o fim de uma era que tinha em mente. «Muito poucas coisas me poderiam comover tão profundamente como o seu epitáfio, ou monumento, sobre aquela velha África que me era tão querida – o continente da sabedoria, da dignidade e da poesia profunda, expressa por igual na natureza, nos animais selvagens e no homem», disse-lhe a baronesa.
Beard e Blixen voltaram a encontrar-se apenas algumas semanas antes de a autora morrer. Na ocasião, ele fez um conjunto de retratos do seu rosto terrivelmente cadavérico. Não era só em África que se estava a chegar ao fim de uma era.