Uma equação impossível

Uma política de imigração inteligente não acaba na fronteira. Deve ser discutida, e concebida, por gente adulta e comprometida com o bem comum, com uma visão global e adulta

As discussões acerca das leis dos estrangeiros e da nacionalidade foram ensombradas por argumentos xenófobos, instintos punitivos, irresponsabilidade e puro negacionismo.

Entretanto, persiste um problema sério com a regulação da imigração, enquanto os imigrantes têm um problema com a sua legalização e integração. Há mais de um ano, defendi que a AIMA é desadequada, por razões conceptuais e estruturais. Os problemas que existiam no SEF e no Alto Comissariado para as Migrações podiam ter sido resolvidos, antes de se optar pela sua extinção.

Sejamos claros: a entrada em Portugal de centenas de milhares de cidadãos estrangeiros pode ser indispensável, considerando o envelhecimento da população, a quebra na natalidade, a falta de mão-de-obra e o atual modelo económico.

Contudo, causou um sobressalto inevitável num país que sempre foi emissor e não recetor de migrantes, quando, por vontade e com negligência, se escancarou a porta. Não vale a pena tentar construir uma narrativa ideológica: a súbita chegada de pessoas de outras culturas, com diferentes hábitos e costumes, causaria tensões inevitáveis em qualquer sociedade.

Ainda que as contribuições – diretas e indiretas – dos imigrantes aportem valor, causam disrupção nos serviços públicos, que não conseguem reajustar, a tempo, a oferta necessária para corresponder a um aumento diferenciado da procura. A disrupção impacta nos setores mais vulneráveis da sociedade: pressiona a oferta pública de habitação, saúde e educação, afetando principalmente quem não tem alternativa.

Há um impacto indireto que, por razões diferentes, nem a direita nem a esquerda querem admitir: a deflação no valor do trabalho, enquanto fator de produção, porque os imigrantes estão disponíveis para trabalhar em empregos de menor especialização por preço mais baixo e realizando tarefas que os nacionais olham de soslaio.

Na restauração e hotelaria, na agricultura e na construção civil, os imigrantes aceitam salários mais baixos do que os autóctones, por via das barreiras linguísticas, da dificuldade de obterem vistos de trabalho, da discriminação ocupacional. De acordo com um estudo recente, os salários dos imigrantes na Europa e Estados Unidos são 18% inferiores aos dos nativos. Em Espanha, a discrepância chega aos 29%. Se é verdade que isso resulta da dificuldade de acesso a empregos bem remunerados, há uma parte significativa dessa diferença ocorre em postos de trabalho equivalentes.

Conclui também que há muitos imigrantes cujos conhecimentos e especialização são desperdiçados e acabam a concorrer por trabalho indiferenciado, o que é um desperdício, acentua as fraturas sociais e dificulta a integração.

Se é quase consensual que deveríamos conter o fluxo de imigrantes, ou determinar um ritmo que permita a sua integração e a disponibilização de respostas a toda a população em função desta mutação, é inevitável questionar o modelo económico que queremos, quando estamos em situação de pleno emprego. Com tantos grandes projetos concomitantes – novo aeroporto, travessias, alta velocidade, as redes de metro, nova habitação – todos dependentes de mão-de-obra indisponível no mercado interno, pergunto-me como é que os decisores, que são os mesmos que pretendem conter os fluxos de imigração, querem resolver a equação. Uma política de imigração inteligente não acaba na fronteira, que é apenas a porta de entrada. Deve ser discutida, e concebida, por gente adulta e comprometida com o bem comum, com uma visão global e adulta.