O Matuto a Moça e a Avon

Hodiernamente, dizem alguns pacóvios que é melhor parar de beber leite porque se evita o sofrimento desnecessário de animais. O Matuto não embarca nessas modernices.

O Matuto gosta dum leite geladinho. Antes de dormir e depois do sossego etílico, é mel. Antigamente, os médicos aconselhavam a ingestão de leite por ser rico em cálcio, proteínas e vitaminas. Hodiernamente, dizem alguns pacóvios que é melhor parar de beber leite porque se evita o sofrimento desnecessário de animais. O Matuto não embarca nessas modernices.

Na “Casa das Pontes”, a conversa segue animada. A Belinha, o Marcello e o Sr. Rocha estão empolgados com a possibilidade do italiano Ancelotti levar a selecção brasileira a fazer boa figura. Especialmente porque o moleque (puto, em Portugal, por favor) do Santos não foi convocado. O Matuto acha que os italianos, sejam eles treinadores ou empresários, são sobrevalorizados. Mas essa discussão para o Matuto é coisa de lana caprina. E, visto que as conversas são como as cerejas, a Belinha, a visita conservadora das ‘Pontes’, começou a crocitar sobre leite. Do nada! “É uma história deliciosa” – dizia a Belinha. “Na Suíça a mortalidade infantil era altíssima, há 100 anos. Aí, o Henri Nestlé, decidiu mudar as coisas. Ele pegou em bolachas, reduziu-as a pó, acrescentou leite e deixou secar. Esta farinha vitaminada, acrescentada ao leite, era energética. Nascia assim a Farinha Láctea da Nestlé (em honra ao seu inventor, naturalmente). Na verdade, Nestlé significa ‘pequeno ninho’, precisamente o símbolo da Nestlé”. E, calorosa a Belinha rematou a história: “se os Brasileiros soubessem falar Inglês, não existiria o “Leite Moça”, mas simplesmente leite condensado. Só que quando este leite começou a ser comercializado no Brasil, era chamado “Milkmaid” (a leiteira) e tinha a imagem duma moça leiteira no rótulo. Mas o povo olhava aquela figurinha da moça airosa com os baldes de leite e não conseguia pronunciar “Milkmaid”. Então, pedia: me dá o leite da moça. E nasceu o ‘Leite Moça’”.

O Matuto achou a história curiosa e imediatamente pensou no quadro A Leiteira de Vermeer. Aquela luz! Aquele azul do lápis-lazúli!

“Por falar em histórias aliciantes” – intervém, a talhe de foice, o Sr. Rocha, a visita letrada das ‘Pontes’. “Conta-se que no século passado um vendedor de livros teve a ideia de incrementar as suas vendas passando a dar perfumes como brindes. Os perfumes começaram a ter muito sucesso, e ele, com rara intuição, mudou de profissão. Passou a fabricar perfumes e a vendê-los, de porta em porta, como era seu hábito. A empresa cresceu, mas tinha um nome longo e pouco simpático. Era preciso criar uma marca, um nome sonoro que ficasse no ouvido. Como o nosso homem gostava de Shakespeare, um dos autores mais vendidos no seu anterior ramo de actividade, ele pensou na terra natal do seu herói: Stratford-upon-Avon, Inglaterra. O ‘Avon’ vem daí”. “Que giro!”, reage Dona Sirlei, a gentil esposa do Matuto. Dona Sirlei começa a articular expressões Lusas de forma natural.

O Matuto pensa que, da próxima vez que vir uma representante da Avon, talvez sinta no ar o perfume distante de Ofélia — e um leve cheiro à tragédia de Hamlet. Ou o aroma discreto de Cordélia — e a doçura triste de quem fala só quando o coração manda (ecos subtis de Rei Lear). Ou ainda a frescura de Miranda — e um sopro de mar e de tempestades domadas (ruge, ruge A Tempestade). Sorri, coça a barba, e matreiro afirma que toda a literatura tem perfume — mas que nada bate o cheiro simples do leite fresco. Vai um leite geladinho!? – convida o Matuto.