João Póvoa Marinheiro. “Eu penso muito no que está certo e no que está errado”

É exigente e rigoroso em tudo o que faz. Tem apenas 32 anos mas está a viver o seu grande sonho. A Comunicação foi uma escolha fácil e o seu gosto por jornalismo ‘inflamou-se’ pouco tempo depois de ter começado a estagiar na TVI, ao terminar a licenciatura.

Hoje, é o rosto que invade as nossas televisões todos os dias na CNN Prime-Time e não podia estar mais satisfeito com o caminho percorrido.  

Está habituado a estar deste lado. É desconfortável ser entrevistado?

Não, não é desconfortável, até porque obriga-nos a fazer um exercício de reflexão sobre o trabalho que temos, a nossa responsabilidade e, essencialmente, deitar um bocado de luz sobre o funcionamento da máquina que também acho importante hoje em dia, tendo em conta que a profissão pode estar a ser posta em causa por muitos ângulos. Portanto, acho que é sempre uma boa oportunidade para explicar às pessoas como é que procuramos fazer o nosso trabalho todos os dias.

Dá a impressão que é uma pessoa muito séria. Quem é o João quando tira o fato e sai daqui? 

Uma pessoa muito séria sou, de certeza. (risos) Isso é um lado inegável da minha forma de ser e de estar. Essa seriedade vem da cultura de trabalho, da disciplina, de querer fazer as coisas sempre bem, não apenas na vida profissional, mas com amigos, com a família, com a minha mulher. Sou a pessoa que eles conhecem, uma pessoa divertida, descontraída também. Acho que tenho graça. Não gosto muito de falar de mim, acho que é um bocado ridículo… Mas é isso… Acho que sou uma pessoa bem-humorada para quem me conhece genuinamente, com uma ironia às vezes a puxar até para o humor negro e acho que quem me conhece bem está familiarizado com esse lado. E isso, por vezes, desmonta o lado sério que eu não controlo também. É ele que acaba por me manter com os pés na terra e no foco da execução do meu trabalho.

É o mais novo de três irmãos. Como é que foi a sua infância? Quais as memórias mais presentes?

Foi uma ótima infância. Tive essa sorte!

Cresceu em Oeiras…

Sim! O chamado “Menino da Linha”. Tive mesmo a sorte de ter tido uma infância ótima. Os nossos pais fizeram de tudo, sobretudo na parte da educação. Acho que é um pouco isso que eu reconheço hoje em dia… O esforço que foi de nos darem a melhor educação. A infância foi também muito repartida com os meus avós paternos, passava muito tempo na zona de Alcântara, que era onde eles viviam. Foi uma infância com pais sempre muito atentos, muito presentes e acho que isso também contribuiu um bocado para a pessoa que sou e que me sinto. Sinto-me bem na minha pele.

Estudou no liceu francês Charles Lepierre. Já disse noutras entrevistas que isso lhe deu uma grande capacidade analítica… Porquê?

Eu acho que tem a ver com a forma do ensino em si. Não sei se hoje em dia se mantém, não faço ideia. Acredito que muita coisa tenha mudado na prática, mas no meu tempo, felizmente, foi um ensino com uma cultura argumentativa que me deu muita coisa. O ensino francês prima muito pela capacidade de argumentação em todas as disciplinas. Por exemplo, na disciplina de matemática não era só fazer contas, era a importância de justificar como é que eu cheguei àquele resultado. E isso era transversal… Também na forma de olhar para um texto literário, como interpretá-lo, como justificar essa interpretação, na forma de estudar história, na filosofia. Olhar para as coisas de uma maneira muito analítica, colocar toda a informação em cima da mesa e tentar tirar um sentido daquilo, organizar aquilo tudo. Deu-me essa capacidade de estrutura, olhar para as coisas, para os temas, para a informação, para os factos. E foi uma mais-valia, eu reconheço isso! Foi uma ferramenta muito poderosa para mim na universidade também, permitiu-me estar muito confortável. Nem estou aqui a fazer qualquer tipo de comparação entre o ensino francês e o nosso ensino, até porque eu não tenho esse conhecimento sobre o [ensino] português. Mas felizmente tive a sorte de poder estudar neste contexto, muito internacional, multicultural, com uma visão muito aberta sobre as coisas. Reconheço que isso me deu ferramentas para a vida.

Acha que seria uma pessoa diferente se não tivesse estudado nesse liceu?

Não sei, porque há aqui outro lado: o lado dos valores, dos princípios e da forma de estar e de encarar a vida e o trabalho. O sacrifício de trabalhar e querer trabalhar bem. Acho que esse lado me foi passado muito pelos meus pais. A noção de não olharmos muito para cima e ficarmos bem presos com os pés na terra. A importância do trabalho, a consistência e a disciplina. A disciplina era uma coisa muito presente. A responsabilidade, a seriedade e a exigência em tudo: exames, trabalhos de casa. Eu reconheço, e já o disse publicamente, que os meus dois últimos anos de liceu foram na altura muito exigentes. E lá está, isso permitiu-me também atravessar a universidade de uma forma mais tranquila. Preparou-nos bastante para a vida.

Mas antes de entrar na faculdade queria seguir cinema. Considera-se um cinéfilo… O que é que mais o fascina nesse universo?

Sim, considero! (risos) E gosto muito de encontrar outros cinéfilos. Tenho um jogo que gosto de fazer que é associações rápidas, ou seja, é tipo quizzes na minha cabeça: ‘Ah, este é o ator que estava naquele filme com este realizador, que por acaso já trabalhou com ele naquele’. Gosto de fazer esses joguinhos. (risos) Hoje em dia tenho menos tempo para ver cinema, mas acho que o que mais me fascina é o lado mágico de contar uma história. Comecei a ver filmes muito cedo. Os meus pais eram bastante abertos em relação ao que eu podia ver. Ia muito ao cinema com a minha mãe e um grupo mais velho de amigos dela. Portanto, sempre li tudo, sempre consumi muita coisa.

Os pais estimularam esse gosto então…

Sim, sim, estimularam muito isso.  Mas acho que foi isso que mais me agarrou: o lado de contar a história. Não era só o poder da imagem, era como é que aquilo tudo fazia sentido e nos prendia ali naquele momento. E acho que isso, de alguma forma, teve um cruzamento cósmico com a intenção de seguir o jornalismo. Porque o jornalismo acaba por ser também a representação da realidade e as histórias das pessoas.

Quais os três filmes da sua vida?

Ui, a sério? É muito difícil. (risos) Talvez um top 10 fosse mais fácil. Match Point, do Woody Allen. Sem dúvida. Vi-o muito cedo, mas foi um filme que me marcou muito na altura. Até porque já tinha visto o Woody Allen num outro registo, então não estava à espera desse registo dele. Posso recorrer à cábula do IMDB? (risos) Eu, por acaso, tenho uma listinha onde classifico os filmes todos. (risos) Diria também The Departed, do Scorsese. Não estaria a fazer justiça ao meu top 3 se não fosse: O Padrinho e A Mulher que Viveu Duas Vezes. Scorsese, Coppola, Hitchcock, Kubrick e Tarantino estão entre os meus favoritos de todo o sempre.

Vem de uma família “boa com os números”. Foi o único que seguiu letras. Como é que se dá a escolha da Comunicação?

(risos) Verdade! Acho que foi jogar pelo seguro. A Comunicação era um curso abrangente. Ainda cheguei a equacionar Direito, na altura. Cheguei a ser aceite em Comunicação e Cinema, em Paris e Lyon. A Comunicação dava-me várias direções possíveis. E os meus pais queriam isso, essencialmente. Eu escolhi logo no início o jornalismo. Estava claramente focado no jornalismo. Mas tendo o background de comunicação, permitia-me, se não quisesse no fim seguir o jornalismo, ter várias opções. E ainda teria o Mestrado pela frente.

Quando acabou o curso e veio estagiar para a TVI, quem era o João? Lembra-se da maneira como olhava para o jornalismo? Mudou muito?

Acho que foi nesse estágio que eu percebi, finalmente, o que é que eu queria fazer. Eu queria fazer jornalismo, mas ainda não sabia bem onde. Tinha uma inclinação para a imprensa escrita, porque tinha pavor à ideia da televisão por causa das câmaras e de fazer diretos. Era uma coisa que me dava alguma ansiedade. Mas acho que foi ao fazer o primeiro estágio aqui que percebi que era mesmo isto que eu queria. Tive a sorte de ter um estágio com veteranos desta casa. Foi num ciclo muito específico. Pessoas como a Cristina Reyna, o Filipe Caetano, o Pedro Bello Moraes… O Miguel Cabral de Melo, que é um veterano do Internacional. Eu era o puto no meio dessas pessoas tão experientes. Deram-me muito. E deu-me, sobretudo, a paixão pela televisão, pela imagem. Porque eu tive a sorte de poder fazer Internacional, que sempre foi a área que eu queria. Fazer peças, receber o material das agências. Criar histórias, as histórias do dia. Editá-las, trabalhar com o vídeo, trabalhar com o áudio, trabalhar com o texto. Lá está um pouco o lado cinematográfico a mexer com isso. (risos) E, portanto, foi aí que eu acho que tive a maior das certezas de que era isso que eu queria continuar a fazer. E a paixão do jornalismo inflamou-se aí, de certa forma.

A minha mentora, a Cristina Reyna, partilhava essa mesma curiosidade e essa mesma paixão pelas histórias. Incutiu-me também esse lado e, sobretudo, o lado do rigor. O lado implacável. Quer fosse a escrever um off, quer fosse a escrever uma peça. «Porquê é que escreveste isto desta forma? Porquê é que começaste com este plano? Porquê é que puseste esta boca do entrevistado? Porquê, porquê, porquê?». E, pronto, isso dá-te depois um andamento muito diferente. Foram três meses espetaculares! Muito intensos, muito formadores.

E, olhando para trás, que evolução vê na sua forma de trabalhar? Porque esta área pode parecer muito assustadora no início…

Eu acabei por passar por áreas e funções diferentes. Hoje em dia já não faço peças. Apenas em ocasiões especiais ou grandes acontecimentos. É um lado que eu gosto muito. Adoro fazer reportagem. E quando somos enviados para esses locais, é talvez o lado que eu mais gosto, ir à caça dessas histórias. As funções mudaram muito, porque passei para um lado de apresentação que já implica outro tipo de tarefas no dia-a-dia. No sentido prático. Estamos a falar da parte de preparar entrevistas, debates, análises, preparar lançamentos, diretos. Portanto, há um lado mais técnico que acabou por se inserir na rotina e que está ligado à formatação do jornal. Mas não mudou muito a minha filosofia ou a minha forma de estar. É um lado que é necessário, porque o pivô é parte integrante dessa construção do jornal. E eu tenho muito esse lado, porque também gosto de trabalhar do ponto de vista estético. Ou seja: «O que é que vamos ter aqui de imagem para acompanhar a análise deste assunto? Como é que podemos pegar neste assunto e, se calhar, construir um momento no grande ecrã que temos ali no estúdio?». Portanto, há aqui um lado mais de realização e técnico. Mas eu diria que as convicções não mudaram. Isso nunca muda. Sempre me mantive focado em fazer o meu trabalho da melhor forma que sei, independentemente de qual fosse a tarefa.

Tal como disse, tinha pavor em estar em frente a uma câmara, mas neste momento é o que acontece. Como surgiu a oportunidade?

De fazer o direto? Isso surge já depois. Eu acabei por ir para Bruxelas, para um estágio na Comissão Europeia. Essa oportunidade surge quando eu volto. Aí já não vou para o Internacional, mas sim para a Sociedade, que acaba por ser uma secção, uma editoria, que tem muito mais contacto com a rua, com o terreno. Saúde, educação, justiça, por aí fora… E, portanto, o direto foi só uma questão de tempo. Já tinha havido várias “ameaças”. (risos) «Se calhar é hoje que vais fazer o primeiro direto!». Acabou por se proporcionar. Lembro-me perfeitamente do primeiro… Foi sobre uma marcha pelo clima. Estava muito nervoso. Depois uma pessoa vai ganhando andamento a fazer reportagens no terreno. A televisão tem esse lado incontornável, não é? Televisão é televisão… Trabalhamos com a câmara. (risos)

A apresentação de um jornal é completamente diferente. Também estava muito nervoso na primeira vez que o fez. Com o passar do tempo isso foi desaparecendo? Ou todos os diretos são sinónimo de ansiedade?

Vou-te dar duas respostas. A primeira é: se tu me perguntares se quando entro em estúdio tenho a ansiedade que tinha no início, obviamente que não. Eu acho que a experiência acaba por amenizar esse tipo de sentimento. Agora, eu gosto da ansiedade, porque é o que me deixa alerta. É o que me deixa atento à possibilidade de não cometer erros. E se eu não sentir a ansiedade, aí é que eu fico preocupado. Quando é que eu sinto a ansiedade? Grandes operações, grandes acontecimentos, entrevistas exigentes, debates eleitorais, diretos em momentos chave. Se eu não sentir esse nervoso miudinho, esse ligeiro tremor, aí é que eu fico preocupado.

Isso também nos faz sentir vivos…

Sim! (risos) Mas é mais pela questão de ter medo do erro, da possibilidade de cometer erros. Eu não gosto de cometer erros e tudo o que eu puder fazer para minimizar isso, farei. Acho que se perguntares a outros apresentadores, outros pivôs, todos te darão uma resposta semelhante. Nós também estamos num ritmo e numa adrenalina tão grande no dia-a-dia, que quando tu entras pela porta do estúdio, colocam-te o micro e estás a segundos de entrar no ar. Aí já nem estás a pensar nos nervos. A não ser que sejam acontecimentos específicos, exigentes, distintos. Mas no dia-a-dia, isto é o nosso trabalho. O nosso trabalho é aprendermos a domar esse lado.

Atualmente apresenta o CNN Prime Time no horário nobre da estação. Quais os maiores desafios?

Eu acho que o horário nobre vive desafios de concorrência. Isso é inegável! Há mais canais. (risos) Acho também que há um lado de conteúdo que a CNN veio trazer e que é importante continuarmos a trabalhá-lo: o lado da análise internacional. Acho que a CNN veio elevar a conversa para um patamar que não existia nesse sentido, ou pelo menos na frequência com que falávamos desses assuntos. Eu estava na TVI24 já no final, acabei por começar a apresentar os últimos anos do canal. E portanto sei que a CNN trouxe outro tipo de análise em termos de especialistas, de conhecedores dos assuntos e do nível de detalhe das coisas que falamos. Foi quem claramente deu esse salto e liderou um pouco essa discussão. Acho que os desafios do Prime Time neste momento são essencialmente a concorrência. Isso é bom, é saudável. Isso obriga-nos a estar sempre atentos aos nossos adversários. A querer fazer melhor, a querer procurar o que é que chama a atenção das pessoas. O que é que interessa às pessoas? Isso é o nosso desafio de todos os dias.

Vamos recuar aqui um bocadinho… Falávamos do quanto odeia errar, mas «errar é humano». (risos) Como lida com esses momentos? Recorda algum que o tenha deixado mais atrapalhado?

Eu tento lidar bem, mas lido mal. (risos) E uma coisa é falhar por algo que eu fiz, mas fiz com convicção. Outra coisa é falhar por distração. Isso eu não gosto mesmo! Esses são os que me custam mais a digerir. Quando as coisas podiam ter sido evitadas, percebes? Não me lembro de situações específicas. Mas se tivesse de categorizar, não gosto de falhar quando estamos a falar de erros por distração. Se foi uma coisa que eu fiz genuinamente com a convicção de que era para ali, custa-me menos. Porque foi a minha forma de ver as coisas naquele momento. Isso não impede que o erro tenha estado lá. Mas foi por convicção genuína. Eu penso muito no que está certo e o que está errado. Sou uma pessoa honesta e sincera.

Como é que vê as transformações que têm acontecido na área? Com as redes sociais as pessoas parece que já não se interessam pela boa informação…

Acho que há um lado por explorar no digital, no sentido da integração. É óbvio que as redes estão a assumir um papel cada vez mais fraturante até do ponto de vista do formato, não é? Nós podemos dizer que a televisão, ou o consumo televisivo, também está a evoluir para um lado que é absorvido pelas redes sociais. Se olhares para o YouTube, é um exemplo notório disso. Tens canais deYouTube com audiências e espetadores gigantescos e que acabam por ser um conteúdo televisivo. É uma evolução.

Também acho que há um lado desafiante no sentido, obviamente, da desinformação. Isso é inegável. Vivemos numa era muito exigente, não apenas na forma como comunicamos nas redes, mas daquilo que já é produzido nas redes em contra-argumentação. O jornalista, neste momento, também é um alvo. E tudo é posto em causa. Faz parte do ar dos tempos. As redes sociais têm esse lado, mas não deixam de ser plataformas incríveis de comunicação. Do lado televisivo, que é o meu ramo, há um lado de integração que eu acho bastante interessante. Linguagens por explorar. Até porque é uma ponte para chegar a outros públicos. Hoje em dia é nas redes e nas outras plataformas que estão jovens. É também importante manter a televisão relevante. Como é que hoje em dia podemos integrar esses meios todos com o conteúdo televisivo para chegar também a esse público?

Para rematar, acho que há desafios e estão claramente identificados quais é que são. Mas acho que há oportunidades também. Não gosto de olhar para as coisas com excesso de dramatismo. Acho que há maneiras possíveis de juntar forças. Que abra novas portas de comunicação para outros públicos e consumidores de informação. Eu acho que é o mais importante.

Foi enviado especial na Guerra na Ucrânia e no funeral da Rainha Isabel II. Gosta de estar no terreno? Já não o faz tanto…

Gosto. Gosto muito. Mas não digo que me faça falta no dia-a-dia. Tenho um dia-a-dia tão exigente, tão preenchido, tão fascinante no sentido dos temas que podemos tratar, da responsabilidade que temos e do tipo de conversas que podemos ter em estúdio. É de facto o sítio mais fascinante para se trabalhar. Portanto, esse lado é o que nos alimenta todos os dias. E é um privilégio poder fazer isto. Mas gosto da reportagem no terreno. Principalmente por esse lado de contar histórias, de ir à caça, de falar com as pessoas cara-a-cara… Não é que não se faça em estúdio, mas é uma coisa diferente. Então em acontecimentos especiais como estes que referiste, é o lado que nos permite ver o mundo como ele é, em estado cru, em estado puro. Hoje estou na operação do dia-a-dia da CNN. Sinto que este é o meu lugar. Sempre que tenho a oportunidade de ir a esses acontecimentos, às grandes histórias, é uma sorte. 

Enquanto jornalistas, ouvimos e contamos histórias. Há momentos muito duros. Consegue desligar-se? É possível?

Sim! Não é desligar no sentido das coisas não me dizerem nada. Consigo desligar no sentido de controlar os sentimentos. Isso consigo. Há notícias que são mais felizes, há notícias que são mais tristes, trágicas em muitas situações. Faz parte do tipo de trabalho que nós fazemos internamente. Há bocado falávamos da ansiedade. Esse controlo das emoções acaba por vir com o tempo e com a experiência, com a forma como sabemos domar impulsos. Não é fácil. Há notícias muito duras, obviamente. Até porque nós não temos apenas o lado da fala. Temos o lado da imagem. Quando estamos a comunicar uma notícia, estamos a ver as imagens e, por vezes, elas mexem connosco. Temos de gerir, mas ao mesmo tempo temos de ter empatia suficiente para comunicar aquilo às pessoas que nos estão a ver. Nós não somos robôs ou máquinas. Há formas e formas de se comunicar uma notícia.

Como foi estar envolvido no início de um novo projeto como a CNN, que celebra o 4º aniversário? 

Olhando para trás foi uma grande loucura abrir um canal novo… Obviamente que o know-how estava cá, as pessoas que formaram a CNN eram as que estavam cá, mas também houve muita gente nova que entrou. Já vão quatro anos e foi um privilégio poder fazer parte de um momento desses. Muita gente, mais velha do que eu, teve essa oportunidade noutros sítios, no caso da SIC, ou TSF. Sempre que falam em situações dessas, falam com um brilho nos olhos. E eu não sabia até ao momento o que era isso. Tive a sorte de poder ter um momento desses na minha vida.

Foram semanas muito agitadas. Preparação dos jornais, formatação, essencialmente. De fazer a migração daquilo que é a identidade da CNN Internacional para o formato em Portugal. E foi um momento bastante puro de espírito de equipa, de todos a trabalhar para o mesmo. Até do ponto de vista da formação que me foi pedida para pessoas mais novas… E eu gosto disso, gosto desse lado.  Eu procuro ajudar quando me pedem essa ajuda. Foi mesmo um momento significativo na minha carreira. Foi um marco e ninguém me tira isso. 

Tal como também já referi, acho que a CNN veio trazer esse lado analítico distintivo. Acho que hoje em dia há mais preocupação em ir ao detalhe. Há assuntos que são postos em cima da mesa e acredito mesmo que foi a CNN que acabou por trazer isso. Somos muito exigentes na forma como tratamos o conteúdo. Temos o privilégio de ter acesso a uma rede de produção informativa internacional que é prestigiante, com escritórios em vários pontos do mundo e que é um acrescento também à nossa própria emissão. Também nos distinguimos sobretudo na diversidade de opinião. Procuramos sempre essa pluralidade, esse confronto de ideias.

Quais os momentos e entrevistas que destaca neste tempo em televisão?

Os debates eleitorais. Sobretudo na experiência recente. Foi o desafio mais importante da minha carreira. Não tenho muita hesitação em identificar isso. Este ano já foi a minha terceira eleição a moderar debates eleitorais. É sempre uma grande responsabilidade. Foi muito exigente. Deram-me essa tarefa ainda bastante novo e eu agarrei-a com tudo. Quis provar que podia e sabia fazer aquilo. E espero ter convencido, acho que convenci! (risos) É um trabalho que me dá mesmo prazer porque é também um trabalho de serviço público que prestamos. Porque estamos, essencialmente, a moderar conversas que vão esclarecer as pessoas. E isso vê-se nas audiências. Há uma enorme procura pelos debates eleitorais. Vou ter dois protagonistas que pensam ou veem o mundo de forma completamente distinta. Tenho prazer em olhar para os programas, identificar os temas e pô-los a tentar debater essas opiniões e pontos de vista com tranquilidade. 

E há algum entrevistado que mais tenha surpreendido? 

Quando começámos a conversa falávamos da forma como é importante para mim falar sobre o jornalismo, especialmente num momento destes. Acho que este é um bom momento para olhar para isso novamente. Cada entrevista é uma entrevista. Cada protagonista tem uma personalidade diferente e tem uma exigência distinta, individual. Eu quando preparo uma entrevista, sobretudo do ponto de vista político, gosto de saber tudo. Saber o que é que essa pessoa fez, ver as entrevistas que têm dado, ler o que essa pessoa pensa. E isso tem o seu grau de exigência. É diferenciado de protagonista para protagonista e aprendemos a trabalhar esse lado com o passar do tempo. Ou seja, fascina-me de facto as ideias. Fascina-me o que é que uma pessoa pensa e quero perceber porque é que pensa assim. Portanto, eu diria que desse ponto de vista, cada entrevistado é um entrevistado. Acho que o lado fascinante da televisão é esse. Tu num dia tens uma pessoa que faz uma coisa, amanhã tens uma pessoa que faz outra. Ou seja, isso obriga-te a olhar para um tema num dia, no outro dia para outro. E portanto, até para ti, é um lado de busca insaciável pelo conhecimento. Estamos sempre em constante atualização. Tem um lado cansativo, obviamente. 

E há alguma personalidade que gostaria muito de entrevistar?

Em termos do ponto de vista da carreira, acho que há entrevistas óbvias que gostava de conduzir e que ainda não fiz. Primeiros-ministros e Presidentes da República. Gostava muito de ter essa oportunidade. Figura histórica do nosso país que gostava de entrevistar? General Ramalho Eanes. Sem qualquer dúvida. A nível internacional, há tanta gente fascinante… Eu adorava entrevistar o Donald Trump. Adorava. Há tantos outros… O Obama, por exemplo.

E planos futuros? Parece muito feliz onde está…

Sim! Eu não gosto de planear demasiado à frente. Gosto de me focar na tarefa que tenho sempre em mãos, porque gosto de ser bem-sucedido naquilo que estou a fazer no momento. Entrego-me de corpo e alma a qualquer responsabilidade que me deem. E neste momento, honestamente, só me vejo a fazer isto. Acho que este é o lugar que eu sempre quis, mas nunca soube. Falámos muito aqui do pavor das câmaras, do direto… Aqui estamos. (risos) Sou grato todos os dias por fazer isto. Pelo privilégio que é fazê-lo com a minha idade. Tenho perfeita noção disso. Pelo lado de estímulo intelectual que me dá, por ser uma aprendizagem constante. De um dia nunca ser igual ao outro. Há desafios que eu acho que o tempo trará. A carreira evoluirá para o sentido que tiver de evoluir. Não tenho pressa.