Ucrânia. Paz à vista?

O plano de paz americano pode ser um passo decisivo para a resolução do conflito, mas gerou controvérsia. A Europa já apresentou uma contraproposta.

Estará o nó cego na Ucrânia prestes a ser desatado? Os últimos desenvolvimentos apontam para o facto de que, pelo menos, se está a tentar. O conflito em que Moscovo falhou o seu grande objetivo – importa recordar que, no início da invasão, Vladimir Putin pretendia chegar a Kiev em apenas três dias – e no qual a Ucrânia resistiu ferozmente à violação da sua soberania, arrasta-se há três anos e nove meses. E mais que uma guerra de atrito, tornou-se numa verdadeira guerra híbrida que transcende as fronteiras ucranianas.

Mas nas últimas semanas, e ainda que não livre de controvérsia, os Estados Unidos apresentaram vinte e oito pontos que poderiam levar à paz na Europa de Leste, tendo dado um curto prazo para que os ucranianos dessem luz verde à proposta. Mas a luz até agora mostrada é de fraca intensidade. Isto porque o plano terá sido construído entre Washington e Moscovo, sem o conhecimento das outras partes envolvidas (a União Europeia, que apresentou uma contraproposta, e a Ucrânia).

Os 28 pontos

O Presidente americano, Donald Trump, fez da resolução deste conflito uma das suas grandes bandeiras na campanha que acabou por conduzi-lo de novo à Sala Oval. E independentemente de não ter cumprido a promessa das vinte e quatro horas – escusado será dizer que o prazo foi já largamente ultrapassado –, os esforços têm sido tanto visíveis quanto controversos. E este novo plano de paz não foi exceção, independentemente de terem sido levantadas sérias dúvidas quanto à proveniência do documento, até porque se tratou, em primeiro lugar, de uma fuga de informação. Por exemplo, e como escrevem Mark F. Cancian e Maria Snegovaya para o Center for Strategic and International Studies, «após a fuga de informação, os Estados Unidos confirmaram inicialmente que o documento era autêntico. No entanto, depois de vários senadores terem condenado o acordo, alguns deles afirmaram que o Secretário de Estado Marco Rubio tinha ligado para dizer que os russos tinham apresentado a proposta». «De facto», continuaram os especialistas, «observadores independentes notaram a provável origem russa de parte do texto, que parece ter sido traduzido por falantes não nativos de inglês. A Casa Branca negou então a alegada negação de Rubio. Rubio afirmou mais tarde publicamente que o acordo é realmente autêntico e que se destinava a ser um ponto de partida». Ao longo do documento, já amplamente divulgado na íntegra em várias agências de notícias, são apresentados pontos que são, em si, uma evidência, mas outros que continuam a ser alvo de intensas discussões.

Comecemos pelo primeiro, que confirma a soberania territorial ucraniana. «Parece óbvio», comentou o jornalista britânico Matthew Chance na CNN. Mas, relembra, «a sobrevivência da Ucrânia como um Estado soberano não era garantida e esse reconhecimento representa uma conquista significativa diante do ataque russo». A Europa, na sua reposta ao plano, alterou a expressão «confirmada» para «reconfirmada». Pouco mais pode ser acrescentado, mas é a prova de que a Rússia não atingiu o seu principal objetivo, merecendo o primeiro lugar – também algo simbólico – no plano.

Após mencionar um pacto de não-agressão entre a Rússia, a Ucrânia e a Europa, que tem em vista resolver «todas as ambiguidades dos últimos trinta anos», no segundo ponto, é no terceiro que começa a discussão. «Espera-se que a Rússia não invada os países vizinhos e que a NATO não se expanda ainda mais», pode ler-se no documento. A contraproposta europeia eliminou este artigo, que é, na sua essência, ambíguo, isto pela utilização do verbo ‘esperar’, que parece tornar este ponto, no mínimo, muito pouco vinculativo. «A versão europeia elimina toda a disposição», escrevem Cancian e Snegovaya, «provavelmente porque a primeira parte é inútil e a NATO não quer que a Rússia dite a sua política».

Quanto às garantias de segurança dadas à Ucrânia, um tema crucial que tem sido várias vezes sublinhado pelo Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, o texto original diz que a «Ucrânia receberá garantias de segurança fiáveis». Mais uma vez, os europeus propõem uma modificação. Desta vez, o alvo da alteração não é no verbo, mas no adjetivo: em vez de ‘fiáveis’, a Europa quer garantias «robustas». Ainda assim, mesmo com a alteração no adjetivo, nenhum dos planos elabora para além da afirmação, o que faz com que o ponto seja «igualmente vago», dizem os especialistas anteriormente mencionados.

No sétimo ponto, a NATO volta a ser chamada e, como seria de esperar, não é consensual. As discussões sobre a eventual entrada da Ucrânia na Aliança são uma realidade desde o início do conflito. E este ponto, na sua versão original, acabaria por colocar um ponto final na conversa, mas um ponto final que seria fazer uma vontade ao Kremlin. «A Ucrânia concorda em consagrar na sua Constituição que não irá aderir à NATO, e a NATO concorda em incluir nos seus estatutos uma disposição que estabelece que a Ucrânia não será admitida no futuro». A reposta europeia reforça a máxima ‘à NATO o que é da NATO’: «A adesão da Ucrânia à NATO depende do consenso dos membros da NATO, o que não existe». A Aliança defensiva do Atlântico Norte é também mencionada no oitavo ponto, mas deliberadamente deixada de fora no ponto nove, que faz referência à presença de caças europeus na Polónia, o que significa que os Estados Unidos poderiam retirar os seus. A Europa entendeu a ambiguidade e desfê-la: «Caças da NATO serão posicionados na Polónia».

A questão territorial

Depois da questão da reconstrução da Ucrânia ter sido abordada, onde há divergências entre a posição americana – que tenciona beneficiar de 50% fundos russos congelados ao mesmo tempo que menciona um investimento europeu de 100 mil milhões de dólares –, chegamos a um dos pontos-chave: os territórios.

A proposta americana é clara e desdobra-se em quatro pontos fundamentais: 1) «A Crimeia, Luhansk e Donetsk serão reconhecidas como territórios russos de facto, inclusive pelos Estados Unidos»; 2) «Kherson e Zaporizhzhia ficarão congeladas ao longo da linha de contacto, o que significará um reconhecimento de facto ao longo da linha de contacto»; 3) «A Rússia renunciará a outros territórios acordados que controla fora das cinco regiões»; 4) «As forças ucranianas retirar-se-ão da parte da região de Donetsk que atualmente controlam, e esta zona de retirada será considerada uma zona tampão desmilitarizada neutra, internacionalmente reconhecida como território pertencente à Federação Russa». Apesar de reconhecer que a Ucrânia não deverá recuperar os territórios perdidos por via militar, a contraproposta europeia não exclui, como o faz a americana, a possibilidade de futuras negociações sobre os territórios em questão, propondo que estas tenham «início a partir da linha de contacto».

O futuro ainda é incerto e a Rússia ainda não se pronunciou. O ceticismo é palpável – e compreensível, a avaliar pelo respeito que Vladimir Putin tem demonstrado a outros acordos que assinou –, mas o historiador escocês Niall Ferguson, a escrever para o The Free Press, acredita que a «mais recente iniciativa de paz de Trump tem mais hipóteses de sucesso do que os céticos imaginam». Só resta esperar.