Tornou-se inevitável o trânsito ficar mais complicado na época do Natal, até porque as carteiras estão mais abonadas com o 14.º mês e as compras dos presentes da praxe aumentam a afluência de automóveis aos centros comerciais e às zonas com lojas mais concorridas da capital. Mas nem mesmo o facto de o espírito natalício – que é como quem diz todo o marketing e apelos ao consumo – começar cada vez mais cedo serve de explicação para o caos instalado na circulação na cidade já lá vai tempo e muito antes de a classe média ou remediada receber o famoso subsídio salarial.
O problema – cada vez mais grave – já não é da época natalícia, como também já não é, há muito, apenas das horas de ponta, mesmo que alargadas àquelas em que mães e pais se enfiam em filas intermináveis quais ‘ubers’ dos filhos nas entradas e nas saídas das escolas e colégios.
Já para não falar das faculdades – como na Cidade Universitária – rodeadas de parques de estacionamento uns a seguir aos outros e mesmo assim lotados, tantos os carros de alunos, funcionários e professores, mesmo com estações de metropolitano à porta e várias paragens de autocarro nas imediações.
O tráfego automóvel é um inferno a qualquer hora do dia. Desesperante! E o fenómeno não é exclusivo de Lisboa e arrabaldes.
Vai-se generalizando nas cidades mais populosas de norte a sul.
Sem que haja respostas eficazes por parte das entidades competentes, que continuam a preferir importar o que vai sendo moda por essa Europa (e mundo) fora, como se a cópia fosse tão boa como os originais e cada cidade não tivesse as suas especificidades.
As políticas de desincentivo ao uso de automóvel particular, tal como as pretensas políticas públicas em defesa do ambiente, têm tido quase sempre efeitos perversos.
Veja-se o caso paradigmático das ‘émeis’ desta vida: os estacionamentos pagos generalizaram-se e as ‘zonas’ vermelhas, amarelas, verdes já não dissuadem ninguém, antes só abonam a ganância das autarquias e empresas municipais que aproveitam, sim, para engordar receitas.
Como as famigeradas ciclovias, que estreitam ainda mais as vias de circulação na esmagadora maioria já de si subdimensionadas para o escoamento de um número de veículos automóveis que não pára de aumentar. Muitas delas – com traçados destituídos de qualquer sentido e razoabilidade, e para se chegar a essa conclusão não é preciso ser-se especialista em mobilidade – tornam, por exemplo, inexequível a existência de corredores bus que pudessem contribuir para uma melhor e mais rápida circulação dos transportes públicos. Ou, simplesmente, bloqueiam a circulação ao mínimo toque ou acidente.
E lá está o caos. As filas sem fim. O monóxido de carbono acumulado. O ruído das buzinas a fazer lembrar o Cairo de todos os claxons.
E, não obstante, nunca antes se falou tanto em mobilidade.
Que não falta dinheiro para investir é um facto.
Seja em Lisboa, no Porto, em Gaia ou em Coimbra. É ver os milhões gastos em metrobus e quejandos.
O metrobus até pode ser um meio de transporte cómodo, silencioso e rápido – como bem me chamou à atenção um Leitor, há semanas, quando aqui critiquei o de Coimbra –, mas acredito que são mais os congestionamentos e estrangulamentos de trânsito que provocam (alguns, aliás, como o da portuense Boavista) do que as soluções de mobilidade que concretizam.
Porque a verdade é que, com ou sem metrobus, a capacidade de resposta dos transportes públicos não contribui para minorar o maior cancro da atualidade nas cidades.
Além das greves recorrentes, das falhas constantes nas carreiras com sucessivos atrasos nos horários, são manifestamente insuficientes e insatisfatórios para as necessidades.
Mesmo considerando que a procura pode ter baixado por conta da banalização do teletrabalho.
Aliás, não sei se existe algum estudo sobre o impacto do teletrabalho no aumento do trânsito nas cidades, mas quase aposto que, ao contrário do que seria expectável, também terá acabado por contribuir para este caos.
Por um lado, porque para quem trabalha a maioria dos dias em casa provavelmente deixou de compensar comprar passe (e até poderá sair mais barato ir de carro para o trabalho dois dias por semana, por exemplo). Por outro lado, porque o tempo perdido no trânsito às horas de ponta passou a ser utilizável no resto do dia.
E não é para desperdiçar à espera de transportes públicos que chegam tarde e a más horas, quando não vêm já a abarrotar.
Andar a pé, a correr ou montado numa bicicleta no meio do trânsito e com tantos escapes a libertar gases para o ar que se respira é tudo menos aconselhável.