A tensão na Venezuela está de cortar à faca. Os recentes movimentos americanos intensificam a pressão sobre o regime de Nicolás Maduro a cada dia e o regime edificado por Hugo Chávez parece estar a desmoronar-se. O prazo do ultimato apresentado pelo Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao líder venezuelano já foi ultrapassado e as previsões de queda do regime multiplicam-se. Na eventualidade de queda – que já não é tanto uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’ –, que mensagem estarão a passar os EUA para o hemisfério Sul da América? Poder-se-á assistir a um ‘efeito Caracas’?
A possibilidade de guerra não é, de todo, de descartar, com Trump a ameaçar na última terça-feira que os ataques terrestres começariam «muito em breve». Os visados serão, de acordo com o líder da Casa Branca, os cartéis de droga venezuelanos, acusados de tráfico para os EUA, a quem o Presidente chama «filhos da mãe». Numa reunião, Trump disse ainda que «no terreno é muito mais fácil. Conhecemos as rotas que eles usam. Sabemos tudo sobre eles. Sabemos onde eles vivem. Sabemos onde vivem os maus da fita. E vamos começar a fazer isso muito em breve». Ao que tudo indica, os EUA não se ficarão pela Venezuela: «Qualquer um que o faça e a venda no nosso país está sujeito a ser atacado», disse Trump quando questionado sobre a questão da Colômbia. «A Colômbia», continuou, «tem fábricas inteiras de cocaína, qualquer país que o faça está sujeito a ser atacado, não apenas a Venezuela».
Uma paz de escravo?
Além da guerra contra as drogas, que levou a uma forte mobilização da marinha americana para a costa venezuelana e que encerrou o espaço aéreo do país praticamente na sua totalidade, Trump tem a sua mira em Maduro, tendo já duplicado a recompensa por informações que possam levar à sua detenção. O presidente norte-americano considera-o responsável pelo fluxo migratório de venezuelanos para os EUA dada a falta de condições de vida no país e de ele próprio liderar um cartel. Como escreveu a BBC, Trump «designou dois grupos criminosos venezuelanos — Tren de Aragua e Cartel de los Soles — como Organizações Terroristas Estrangeiras e alegou que o último é liderado pelo próprio Maduro». Uma acusação que Maduro, natural e prontamente, desmentiu. Mais, Donald Trump diz, citado também pela BBC, que o ditador venezuelano «esvaziou as suas prisões e manicómios», forçando os reclusos a emigrar para os Estados Unidos.
E foi com este cenário a servir de pano de fundo que Washington alegadamente lançou um ultimato a Caracas. Antonio María Delgado, correspondente do Miami Herald na Venezuela, escreveu um artigo com o título ‘Casa Branca dá ultimato a Maduro enquanto os EUA avançam para operações terrestres’, publicado no passado domingo. «Enquanto Washington se prepara para lançar ataques terrestres dentro da Venezuela», começou Delgado, «uma chamada telefónica há muito esperada entre a Casa Branca e Caracas, com o objetivo de amenizar a crise, trouxe uma mensagem direta para o ditador Nicolás Maduro: pode salvar-se a si mesmo e aos seus mais próximos, mas deve deixar o país agora, disseram fontes familiarizadas com a conversa ao Miami Herald». Quanto à resposta de Maduro, que, como sabemos, não obedeceu ao ultimato americano, Antonio María Delgado cita outra fonte: «’Primeiro, Maduro pediu amnistia global para todos os crimes que ele e o seu grupo cometeram, e isso foi rejeitado’, disse a fonte, falando sob condição de anonimato. ‘Segundo, eles pediram para manter o controlo das forças armadas — semelhante ao que aconteceu na Nicarágua em 1991 com Violeta Chamorro. Em troca, permitiriam eleições livres.’».
Na segunda-feira, Maduro dirigiu-se ao povo num comício em Caracas onde justificou a sua rejeição: «Queremos paz, mas paz com soberania, igualdade e liberdade! Não queremos a paz dos escravos, nem a paz das colónias».
Efeito Caracas?
Independentemente da intransigência e das demonstrações de força e orgulho nacional de Nicolás Maduro, o seu regime está num evidente processo de decrepitude. Por isso, a queda do regime parece estar iminente.
No final do mês de outubro, a CBS conduziu uma reportagem na Venezuela para o seu programa 60 Minutes, prevendo, desde logo, o que acabaria por vir a acontecer. Na peça fica bem patente o ambiente na capital venezuelana: enquanto uns cidadãos sublinham que o povo não é culpado das ações do poder político, outros reforçam a ideia da soberania nacional contra o imperialismo americano.
Depois, seguem-se duas entrevistas particularmente importantes: a primeira é com James Story, o último embaixador dos EUA em Caracas antes do corte de relações diplomáticas entre os dois países. Story deixa o cariz regional da disputa em segundo plano e enquadra-a no contexto global, dizendo que «há um péssimo ator sentado em cima das maiores reservas conhecidas de petróleo do mundo, além dos minerais essenciais que irão alimentar a economia do século XXI, e ele está aliado aos nossos concorrentes estratégicos». Na segunda, o entrevistado é o senador republicano eleito pela Flórida Rick Scott, que acabou por antecipar o ultimato que Donald Trump apresentaria a Maduro, aconselhando este último a apanhar imediatamente um avião para a Rússia ou para a China porque «algo vai acontecer». Scott acrescentou que «os Estados Unidos vão tratar do hemisfério sul» e que Maduro seria a primeira peça a cair num dominó de ditaduras marxistas na América Latina.
E se William F. Buckley, Jr., escrevia em 1990 que a intervenção americana na região sul do continente que foi propulsionada pelas ações levadas a cabo em Granada em 1983 se podia classificar como «efeito Granada», poderá, no século XXI, a queda de Maduro dar início ao ‘efeito Caracas’?