Há um clássico que continua a reinar em qualquer mesa portuguesa na época natalícia: o bolo-rei. Mas nem todos são iguais e a pastelaria Aloma, em Campo de Ourique, tem provado isso mesmo. Pelo 2.º ano consecutivo, esta ganhou a medalha de ouro de melhor bolo rei de Portugal entregue pela Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP). Afinal, qual o segredo? Nada mais nada menos do que a tradição.
Para muitos o natal é sinónimo de família à volta da mesa. De conversas demoradas que resgatam memórias, jogos de tabuleiro, o cheiro a comida que sai da cozinha e se espalha pela casa, o calor da lareira acesa, o entusiasmo das crianças que brincam na sala à espera da chegada do Pai Natal. O vinho, a partilha. E, claro, o tradicional bolo-rei, que faz parte da ementa dos doces natalícios da maior parte das famílias portuguesas. Conhecemo-lo por ser em forma de coroa, representando a chegada dos Três Reis Magos: o tom dourado da côdea representa o ouro, o aroma o incenso e as frutas a mirra.
Nesta altura do ano é fácil encontrá-lo nas montras das pastelarias, nos cafés, nas grandes superfícies. Mas desengane-se quem pensa que estes são todos iguais… Há 12 anos que a Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares (ACIP) escolhe, anualmente, o melhor bolo-rei do país. Pelo segundo ano consecutivo, foi a proposta da Pastelaria Aloma, em Lisboa, que conquistou a medalha de ouro. A revelação foi feita no sábado, 22 de novembro. O espaço, em Campo de Ourique, junta este título ao diploma de Melhor Pastel de Nata do País, conquistado no passado mês de outubro. Este ano, o concurso contou com a participação de 230 bolos e decorreu em três fases: a primeira semifinal aconteceu a 8 de novembro, no Shopping Cidade do Porto, enquanto a segunda se realizou a 15 de novembro, no UBBO, na Amadora. O segundo lugar foi conquistado pela pastelaria A Merenda, na Parede, e o terceiro pela Padaria Fazendense, em Almeirim.
Uma loja com história
Quinta-feira, 27 de novembro: faltam 10 minutos para as 11 da manhã. Apesar de já se sentir o frio de inverno, o sol aquece os rostos de quem, nas esplanadas, toma o pequeno almoço, ou simplesmente bebe um café. Em Campo de Ourique algumas pessoas parecem apressar-se para mais um dia de trabalho, outras deambulam pelas ruas observando as montras já iluminadas. A pastelaria Aloma começa a encher. As opções são variadas, mas é o famoso bolo-rei que salta à vista. Com pessoas a virem buscar as suas encomendas.
De acordo com o proprietário, a casa foi inaugurada em 1943. Ao longo dos anos, tornou-se um ícone do bairro, com uma atmosfera única e detalhes que nos remetem à sua história. De acordo com João Castanheira, o nome surgiu porque, na altura, estava a passar em frente ao espaço o filme Aloma Of The South Seas, com a atriz Dorothy Lamour. «Passaram 80 anos, passou por vários proprietários, por guerras e aqui se mantém com a mesma firmeza de outrora. Aliás, maior!», diz satisfeito. As gerações vão se renovando, mas a familiaridade mantém-se. «Para nós é muito importante a tradicionalidade. Desde pequeno que frequentava a pastelaria até que surgiu a oportunidade de comprá-la. Sei que sou o terceiro dono», explica. «Esta loja conta um bocadinho da história da cidade de Lisboa. Somos efetivamente uma loja com história», sublinha.
Um bolo excecional
Do número 67 da Rua Francisco Metrass, seguimos até ao Jardim Constantino. Aqui, no número 127 da Rua José Estêvão, encontra-se outra pastelaria Aloma. Ao estacionarmos o carro, o cheiro a bolo-rei já se faz sentir, não fosse aqui uma das fábricas da empresa. Colocamos a touca e calçamos a proteção de plástico nos sapatos para nos protegermos da farinha. Ao descermos as escadas o cheiro da confeitaria torna-se ainda mais intenso. No meio de vários fornos e máquinas, pasteleiros preparam pão brioche, enquanto outros enfeitam bolos rainha. Chegámos a tempo de ver todo o processo de feitura do bolo-rei que, segundo Carlos Rosa, administrador da empresa, tem três fases. «Uma delas é o amassar, depois é o processo de tender – pegar na massa e fazer uma espécie de argola –, de seguida vai descansar e levedar até estar no ponto para ser pintado e decorado. Depois vai ser cozido», começa por explicar, pedindo-nos que não tiremos fotografias à cara dos pasteleiros. «Não queremos que nos venham roubar os mestres, eles são preciosos», brinca.
Interrogado no que é que este bolo-rei se distingue, o administrador conta que, atualmente, se aposta muito naquilo que se designa por mixs, «soluções já compostas». «As soluções já compostas têm uma grande vantagem para quem produz: já são muito adaptadas e estáveis. Ora bem, para quem não sabe muito da arte e da tradição da pastelaria, essa é uma solução que acaba por ser perfeita. Qual é o problema? Os bolos ficam todos muito sensaborões, muito iguais, quase como pastilha elástica. O nosso lema é ‘o segredo da tradição’. Apostamos muito na receita tradicional», garante. «Além disso, o que torna o nosso bolo rei tão bom são os aromas. Esses aromas resultam da combinação que nós conseguimos desenvolver. Remete-me para a minha infância, sabe?», admite. «Eu diria que a outra característica que o distingue é a sua macieza e a sua durabilidade. É um bolo que no dia seguinte continua fofo, no outro também, no outro também. Ele dura muito tempo», continua.
Relativamente à procura, Carlos Rosa explica que a marca Aloma tem crescido de ano para ano. «Desde 2009 – quando foi adquirida pelo atual proprietário –, que tem tido um protagonismo enorme naquilo que é a pastelaria portuguesa. Nós temos crescido muito quer em número de lojas – são mais de 14 –, quer em volume de vendas», detalha. Cascais, Graça, Expo, El Corte Inglês, Campo de Ourique, Jardim Constantino, Gaia, Madrid, são apenas alguns dos locais onde as podemos encontrar.
Aumento da procura
«Ganhar uma medalha de ouro não é uma coisa de menos importância… Ganhar duas seguidas é muito mais importante. De facto é uma coisa que tem estado a acontecer com o pastel de nata, com o folar da Páscoa, com o bolo-rei… Isto já nos dá uma certa hegemonia na conquista de prémios», diz com um ar de satisfação. «Isto consolida a marca como uma marca de prestígio», defende. Na fábrica trabalham cerca de 40 pessoas, sobretudo imigrantes. «Chegaram aqui sem saber fazer nada. Aprenderam depressa e, neste momento, são verdadeiros mestres», assegura o administrador. O espaço trabalha em contínuo. «Começamos de manhã, vai até à noite, 365 dias por ano», revela.
Segundo Carlos Rosa, quando chega a altura do Natal, os pasteleiros fazem centenas de bolos-reis por dia. «Ainda nem sequer chegámos a dezembro e estamos a vender muito. É outra coisa a que temos assistido nos últimos anos. O Natal começa cada vez mais cedo. Ainda estamos em novembro e o consumo dos produtos natalícios já começou», reflete.
Neste momento, para além de vender em Portugal, a Aloma está em Madrid. «Temos lá uma loja e fomos convidados este ano para o mercado de natal castelhano. Os nossos amigos espanhóis fazem muita vida social na rua e os mercados têm milhares de pessoas. No nosso stand temos o bolo-rei, o bolo-rainha e o pastel de nata. Produzimos aqui, ultra-congelamos, enviamos para lá paletes e também está a ser um sucesso. Eles desconheciam o produto», conta ainda. Já estamos a receber encomendas para o Natal. «Já querem substituir o seu roscón [de Reyes] por bolo-rei», brinca.
O administrador acha importante realçar o facto da marca não ter aumentado os preços do ano passado para este. «Apesar de ter aumentado a mão de obra, a matéria-prima, os custos de energia e apesar de termos conquistado o segundo prémio, não aumentámos os preços. É uma questão estratégica. Queremos que o nosso produto sendo bom, possa chegar à maior parte das pessoas», admite. Um bolo-rei de 1 kg custa €21,95.
A marca também tem três pontos de venda no aeroporto de Lisboa, clientes de revenda e hotéis para os quais fornece. «Chego a ir cinco vezes por dia fazer entregas de pastéis de nata. O tempo é inimigo da qualidade. Por isso, a nossa política é ir reforçando e colocando nas lojas várias vezes ao dia. Como temos esta centralidade acabamos por tirar partido disso», revela. A primeira leva de produtos é enviada às quatro da madrugada para estar disponível na hora de abertura dos estabelecimentos. Todas as lojas Continente também têm uma edição especial de bolo-rei.