O Tribunal Constitucional (TC) declarou esta segunda-feira a inconstitucionalidade de várias normas da nova versão da Lei da Nacionalidade, na sequência de um pedido de fiscalização preventiva apresentado por deputados do Partido Socialista (PS). Em causa estão também disposições de um segundo decreto que previa a perda de nacionalidade como pena acessória no Código Penal.
Na leitura pública dos acórdãos, realizada no Palácio Ratton, em Lisboa, foi anunciado que os juízes declararam inconstitucionais, por unanimidade, três das quatro normas analisadas do decreto que revê a Lei da Nacionalidade, bem como todas as normas do diploma que criava a perda de nacionalidade como pena acessória. Entre as disposições chumbadas encontra-se a norma que impedia o efeito automático da lei no acesso à cidadania por pessoas condenadas por crimes puníveis com pena de dois anos de prisão.
Os dois acórdãos agora aprovados resultam de pedidos de fiscalização preventiva submetidos em 19 de novembro por 50 deputados do PS, na sequência da aprovação parlamentar, em 28 de outubro, de dois decretos com origem numa proposta de lei do Governo PSD/CDS-PP.
Esses diplomas foram aprovados com 157 votos a favor — de PSD, Chega, Iniciativa Liberal, CDS-PP e JPP — e 64 votos contra, de PS, Livre, PCP, BE e PAN. A maioria qualificada, superior a dois terços, permite que os diplomas possam vir a ser confirmados pelo Parlamento, mesmo após a declaração de inconstitucionalidade, nos termos da Constituição.
Segundo o Tribunal Constitucional, a norma que previa a perda de nacionalidade viola o princípio da igualdade, por estabelecer distinções entre portugueses originários e naturalizados e entre cidadãos com nacionalidade adquirida há menos ou mais de dez anos.
O TC considerou ainda que a extensão dos crimes abrangidos não traduz uma perda da ligação da pessoa ao Estado, nem apresenta uma conexão direta com a nacionalidade, tornando a medida “arbitrária porque excessiva”, em violação do princípio da proporcionalidade.
Acresce que a pena acessória teria natureza “fixa”, sem possibilidade de adequação ao caso concreto, o que, no entendimento dos juízes, viola igualmente os princípios da igualdade e da proporcionalidade. Este acórdão foi aprovado por unanimidade.
Na leitura da decisão, a juíza conselheira Dora Lucas Neto anunciou que o coletivo se pronunciou de forma unânime quanto à inconstitucionalidade de várias normas. Já o presidente do Tribunal Constitucional, José João Abrantes, sublinhou que o princípio da igualdade não se encontra salvaguardado na atual formulação da lei, que terá agora de regressar ao Parlamento para reformulação.
Entre as normas chumbadas está também aquela que colocaria em suspenso todos os pedidos de nacionalidade pendentes à data da publicação da lei, afetando milhares de processos em curso. Este ponto é considerado um dos mais sensíveis para o Governo, a par da norma relativa à perda de nacionalidade como pena acessória.
A nova versão da Lei da Nacionalidade, discutida e aprovada em outubro, previa o acesso à nacionalidade portuguesa a quem resida “legalmente no território português há pelo menos sete anos, no caso de nacionais de países de língua oficial portuguesa e de cidadãos de Estados Membros da União Europeia, ou 10 anos, no caso de nacionais de outros países”.
O Presidente da República, que ainda terá de se pronunciar sobre o diploma, afirmou estar a aguardar a decisão do Tribunal Constitucional para decidir se veta ou promulga a Lei da Nacionalidade. Recorde-se que, em agosto, o TC já tinha travado a Lei dos Estrangeiros, declarando a inconstitucionalidade de cinco normas e inviabilizando a sua entrada em vigor.