Chegados ao fim de uma maratona de debates televisivos e às Festas de Natal e de Ano Novo, preparamo-nos para entrar na reta final da corrida que decidirá o sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa na Presidência da República.Independentemente das sondagens, ou melhor, mesmo atendendo à multiplicidade e disparidade dos estudos sobre a intenção de voto dos portugueses, tudo aponta para que o caminho comece agora a afunilar e as hipóteses de passagem à segunda volta se concentrem em três dos cinco principais candidatos – considerando que António Filipe, Jorge Pinto e Catarina Martins serviram apenas os interesses políticos e de retenção/fidelização da base eleitoral dos respetivos pequenos partidos que lhes dão apoio (PCP, Livre e BE) –, ainda que os outros dois não se deem por vencidos.
Numa linguagem comum às provas velocipédicas, dir-se-ia que na corrida a Belém há três candidatos no grupo da frente – André Ventura, Luís Marques Mendes e Henrique Gouveia e Melo –, dois no grupo perseguidor (António José Seguro e João Cotrim Figueiredo) e o resto do pelotão já não tem, nem nunca teve qualquer hipótese.
Puxemos o filme atrás.
Primeiro a colocar-se na linha de partida, Gouveia e Melo partiu com clara vantagem em relação a todos os outros, sobretudo fazendo-se valer da popularidade da sua ação durante a pandemia da covid-19 e de coordenação de toda a campanha de vacinação nacional.
Além disso, tinha o tónus de ser um candidato fora do desacreditado sistema político-partidário, com reputada imagem de autoridade e independência e uma longa carreira militar que o destaca pela experiência e saber numa área vital – defesa e segurança – nos tempos de guerra e incerteza que vivemos na Europa e numa ordem mundial em plena reconfiguração.
Mas cedo se percebeu pela reação dos aparelhos partidários – de todos os partidos –, e não só, que o almirante não iria ter uma passadeira vermelha até Belém, começando logo a assestarem-se todas as baterias contra a sua inexperiência política.
Com a entrada em cena de ‘profissionais da política’ como Luís Marques Mendes, António José Seguro, André Ventura ou João Cotrim Figueiredo – a que ainda se juntaram António Filipe, Catarina Martins e Jorge Brito – e o passar do tempo, os inquéritos de opinião vieram confirmar que estas eleições ainda não eram favas contadas.
E uma maratona de debates adivinhava-se uma enorme provação para o candidato fora do sistema.
Sem surpresa, as sondagens começaram, de facto, a castigar Gouveia e Melo e a alimentar as esperanças dos candidatos com mais, muito mais traquejo mediático – Marques Mendes e Ventura.
Daí a importância do último debate televisivo, que colocou frente-a-frente Gouveia e Melo e Marques Mendes.
Ora, o que se esperava que fosse um arraso de quem leva 40 anos de experiência política e mediática sobre um rookie nestas andanças, acabou por ter uma reviravolta surpreendente: o almirante deu sucessivos tiros no porta-aviões do seu adversário, esmagando-o em toda a linha.
Gouveia e Melo foi implacável e controlou o debate do princípio ao fim, não permitindo que Marques Mendes conseguisse contrariar a imagem de facilitador e lobista a que ficou colado.
Ficou sem se perceber como e porquê Marques Mendes se deixou entalar assim. Por que simplesmente não assumiu a sua profissão e atividade privada com clareza e transparência? Obviamente, o que estava em causa não era a divulgação da lista de clientes da sua empresa familiar, aliás totalmente irrelevante.
Marques Mendes insuflou com o favoritismo nas sondagens e cometeu o erro de entrar no debate com o seu principal concorrente com a arrogância de um vencedor antecipado.
Este pode ter sido o momento crucial destas eleições.
Porque Gouveia e Melo recuperou a aura perdida quando despiu a farda e se sujeitou a uma maior exposição pública.
Recolocando-se na posição de representante do eleitorado que reclama autoridade e independência em relação ao sistema político-partidário e à lógica dos interesses.
Neste estado da arte, a campanha eleitoral passou a ser decisiva.
Regressando às metáforas com o ciclismo, é como se o camisa amarela puxasse dos galões e voltasse à testa do grupo da frente, quando já só falta a etapa com a mais difícil contagem de montanha antes de se entrar no sprint final.
Ventura conta com eleitorado consolidado e o Chega agora já conquistou implantação nacional, mas Marques Mendes conserva a vantagem de contar com uma máquina do PSD muito bem oleada pelas consecutivas vitórias nos últimos quatro atos eleitorais.
Já Seguro também ainda não entregou os pontos porque sabe que o PS tem a máquina que o almirante não tem. Resta é saber se alinha com o seu candidato e não está demasiado exaurida anímica e financeiramente.
A ver vamos.
Para já, Festas Felizes!!!