Ser candidato independente de partidos à eleição de um quarto poder, o poder moderador do Presidente da República, é cumprir a Constituição até ao âmago.
Uma candidatura independente tem naturais inconvenientes: impõe a criação de uma máquina operacional, central e local, com logística exigente, burocracia própria, encargos financeiros iniciais, recolha de assinaturas, escolha de mandatários, acesso a endereços eletrónicos, pesquisa de apoiantes. Sem contar com a aprendizagem comunicacional de quem sempre teve outros dia-a-dia. O mundo político habitual reage corporativamente contra o intruso, um corpo estranho, peito feito a todas as balas, sem colete partidário. Quando muito reconhece-o como um bem-intencionado, ingénuo, mas sempre um corpo estranho. Desconfia dos apoiantes do intruso que considera trânsfugas, ao largarem candidatos recomendados por partidos.
Imagino que o candidato independente possa ser visto como um Dom Quixote, contra o senso comum, desajeitado sem media training, de escasso traquejo dialético, desconhecendo a classe política e as suas pequenas histórias, sem manhas nem armadilhas, gerando incredulidade pela espontaneidade.
Presidentes ilustres como Soares, Sampaio, Cavaco, Marcelo vieram dos partidos e foram independentes, pelo menos no primeiro mandato. Depois, nem todos. Não ter filiação partidária não é anátema, declarar ter já votado em partidos diferentes não é duplicidade, reconhecer-se ao centro não é ambiguidade. Nesse enorme grupo de Portugueses, mais de um milhão, está o cidadão comum, por sinal quem decide eleições. Para estas presidenciais vão também contar aqueles que não se sentem em comunhão com os candidatos apoiados por partidos, muitos deles já decididos, silenciosamente, a incumprir a recomendação.
A democracia só ganha em acolher corpos estranhos, como o corpo humano carece de corpos estranhos, o microbioma, para seu bom funcionamento. Portugal só ganha e se renova se, ao fim de 50 anos, puder acolher um presidente que lhe traga algo de novo, de diferente pelo rigor, passado sem mácula, comando exigente e ética sem sombras.
Os restantes candidatos são personalidades válidas, certamente. Todavia, muita gente concorda em que a Presidência não quadra a intranquilos guerreiros de verbo violento, migrantes de opiniões consensuais para a xenofobia mais feroz, nem a gentis-homens bem comportados que não infundem segurança, nem a candidatos que se resguardaram das feridas da política para tratarem da sua vidinha e nos pedem agora que neles confiemos. Tranquilidade, segurança e confiança não moram ali.
O candidato Gouveia e Melo pode não ter jeito para debates, mas na Presidência são outros os trabalhos. Não foi deputado nem ministro, ainda bem, não tem arcas encoiradas que escondam segredos. Não teve vida civil relevante, ainda bem, tal como Eanes, trará ética e dignidade ao cargo. É homem de poucas palavras e reservadas carícias, ainda bem, tivemos selfies, beijinhos e discursos a mais.