A crise do euro continua

A dívida pública portuguesa, classificada de ‘lixo’ pelas três principais agências de rating, paga juros mais baixos do que a dívida pública australiana, que tem a classificação máxima (triplo A). 

O Estado italiano, com uma enorme dívida de 133% do PIB, obtém crédito a dez anos a menos de 3%, apesar da estagnação da sua economia e da falta de reformas. Observações deste tipo multiplicam-se, evidenciando quanto a racionalidade dos mercados financeiros é limitada.

Durante anos eles emprestaram a Portugal e a outros países periféricos a juros próximos dos exigidos à Alemanha, porque todos estavam no euro. Economistas conhecidos defendiam, então, que numa união monetária Portugal nunca mais voltaria a sofrer problemas de desequilíbrio externo, como aqueles que trouxeram o FMI ao nosso país em 1978 e 1983. A crise da Grécia, em 2010, acabou com essas ilusões, quase desencadeando o colapso do euro.  

Tornaram-se então evidentes as falhas na arquitectura do euro, que só em escassa medida foram entretanto ultrapassadas. Valeu a atitude do Banco Central Europeu (BCE), que conseguiu ganhar tempo para a reforma da moeda única. Mas esta reforma progrediu quase só no controlo dos défices orçamentais de cada país do euro pelos seus parceiros e por Bruxelas. É o que interessa à Alemanha. Está por concretizar, na prática, a tão falada coordenação de políticas económicas nacionais, estimulando as economias com excedentes externos para ajudar as que sofrem do problema inverso.

Na banca avançou-se, é certo, mas não o suficiente. O BCE irá ser o supervisor bancário da zona euro, na expectativa de que se mostre menos complacente do que alguns bancos centrais nacionais. Mas a desejada e crucial separação da dívida dos Estados das dívidas dos bancos só daqui a uns dez anos deverá ser uma realidade. E até lá? 
Até lá a crise do euro poderá regressar em força.

 

Por exemplo, se o vento mudar nos mercados. Eles agora estão cheios de liquidez, com dinheiro que retiraram dos países chamados emergentes. Ora esse dinheiro encontrará aplicações rendosas nos Estados Unidos, saindo da Europa, quando a Reserva Federal acentuar a redução dos estímulos à economia e ali subirem os juros. 
 

O problema europeu de fundo é de difícil solução. Diz-se, e é verdade, que a crise do euro exige maior união política entre os países da moeda única. Mas parece a quadratura do círculo propor mais integração no momento em que as opiniões públicas se mostram eurocépticas como nunca. É fácil falar em mutualização de parte das dívidas nacionais, sem explicar como isso seria politicamente possível na Europa actual.

É este o pesado preço a pagar pela falta de democracia no processo europeu, em particular nas últimas décadas. O referendo sobre o Tratado de Maastricht (que criou a moeda única) foi ganho em França por uma unha negra em Setembro de 1991 – e os franceses tinham sido os principais entusiastas da moeda única, para se livrarem da ‘ditadura’ do marco alemão. Depois, em 2005, a chamada ‘constituição’ europeia foi chumbada em referendos em França e na Holanda, dois países fundadores da integração europeia. Mas ninguém parou para pensar; apresentou-se o Tratado de Lisboa como algo muito diferente da ‘Constituição Europeia’, o que era falso. Não espanta que os partidos anti-UE estejam em alta.