O país e as pessoas

Um dos slogans do PS nesta campanha eleitoral, quando já não é possível negar que o país deu a volta, é este: «O país está melhor, mas os portugueses estão pior».

De facto, nem monsieur de La Palisse diria melhor.
Que o país está melhor, é uma realidade. 

Há três anos, Portugal estava com uns miseráveis trezentos e tal milhões nos cofres do Estado – e hoje tem no banco, para o que der e vier, 15 mil milhões de euros.

O défice público rondava os 10% – e agora está abaixo dos 5%.

Os juros dos empréstimos tinham ultrapassado os 7% (e chegariam logo a seguir quase aos 20%) – e agora estão abaixo dos 3,5%.

As exportações deram um salto enorme e a balança comercial registou, pela primeira vez em décadas, um superavit.
Passou-se da recessão ao crescimento económico – que, embora ténue, é dos mais altos da União Europeia e três vezes superior à média da década anterior à crise (0,5%). 

Fizeram-se reformas que de outro modo não seriam feitas, tornando as empresas portuguesas mais competitivas e o país mais atractivo para o investimento, 

E a imagem de Portugal lá fora, que tinha caído por terra, ergueu-se quase milagrosamente: ontem éramos vistos como um povo desleixado, hoje merecemos algum respeito. 

Que os portugueses estão pior, também é uma realidade. 

Não me refiro tanto às quedas de salários e pensões – que, em média, estiveram longe de atingir os 10% (embora a presença que o tema teve durante três anos, todos os dias, nas televisões, rádios e jornais, tenha dado uma ideia diferente). 

A propósito, um destes dias os telejornais abriam bombasticamente a dizer que os ordenados mínimos iam sofrer cortes em 2015. E de quanto eram esses cortes? De três euros, isto é, quatro bicas por mês… 

Claro que é sempre mau uma pessoa perder rendimento, até porque tem compromissos assumidos que não pode deixar de satisfazer; mas, em geral, não é aflitivo um trabalhador que ganhava 1000 euros perder 70.

As situações mais graves são outras e envolvem outro tipo de pessoas: os que caíram no desemprego e os comerciantes e pequenos empresários que viram as suas empresas falir e ficaram sem nada.

Uns e outros sofreram a crise de uma forma brutal. 

O desemprego é uma situação financeiramente angustiante e socialmente acabrunhante.

Um desempregado sente-se um pária, um inútil, um sub-cidadão sem lugar na sociedade, e isso é aflitivo.
Quanto aos pequenos empresários e comerciantes, basta dizer que, quando abrem falência, não têm direito a subsídio de desemprego – com a agravante de alguns terem dado a casa como garantia de empréstimos bancários, sendo obrigados a ir viver para a rua.

São situações desesperadas de que ninguém fala.
Porquê? Porque não são sindicalizados…

Agora, vamos às questões. A terapia aplicada ao país era necessária?

A resposta é afirmativa: se o país estava sem dinheiro e já não tinha quem lho emprestasse a juros não proibitivos, era preciso agir e mudar muita coisa.

Mudar não era um capricho – era uma necessidade imperiosa.

E essa mudança implicava alterações em todas as frentes: ajustamentos de salários e pensões, leis laborais, racionalizações na Saúde e na Educação, reforma da Justiça, reforma do funcionalismo público, etc. 

E atrás destas reformas e das suas consequências vieram os efeitos inapeláveis de qualquer crise: queda do consumo e do investimento, encerramento de lojas, falência de empresas, fecho de fábricas, subida em flecha do desemprego (que, entretanto, já começou a baixar).

Mas alguma vez houve uma crise que não provocasse vítimas?

Alguém no seu perfeito juízo pode pensar que era possível mudar tantas coisas sem ninguém sofrer nada?
Daí ser verdade que o país está melhor e os portugueses estão pior.
Mas a alternativa era o país ter-se afundado, arrastando os portugueses com ele.  

Argumenta o PS que poderia ter-se conjugado melhor a austeridade com o crescimento, para as pessoas não sofrerem tanto.

Não julgo que tal fosse possível.

Quando um ser humano é atacado por uma forte doença, a opção é clara: primeiro, travar a doença, depois cuidar da convalescença.

Fazer uma coisa e outra ao mesmo tempo não dá nada. 

Dizia-me um médico amigo há muitos anos a seguinte frase que não esqueci: «Deite-se, não coma e só beba líquidos. Porque tudo o que comer também vai alimentar a doença».

No que respeita a Portugal, a receita teve de ser a mesma: foi preciso começar pela dieta rigorosa – e só depois pensar em realimentar o corpo. 

É o que teremos agora de começar a fazer, com os cuidados necessários para não repetirmos os erros que levaram o país à beira do coma.