Uma defesa do Facebook

Vários comentadores da actualidade têm criticado as redes sociais. Basta um pretexto para regressarem ao assunto, para falarem dos que não vivem, dos que habitam um mundo virtual, dos que se emocionam nas tragédias e oferecem opiniões que ferem a intimidade do que apenas ao íntimo pertence. Subterfúgios retóricos para defender o que não têm…

A morte trágica do filho de Judite de Sousa é o mais recente exemplo. Somaram-se os fóruns de solidariedade, as mensagens, as lágrimas, as orações. E somaram-se também as críticas em várias opiniões publicadas – como é possível não se fazer silêncio quando o silêncio é a única opção possível? O curioso é que a crítica é feita pelos que todos os dias nos oferecem as suas opiniões sobre tudo e um par de botas, gente que está nos jornais, rádios, televisões e parece ter resposta para os problemas da governação, tácticas futebolísticas, pedofilia, futuro da Europa, legado de Obama, conflito israelo-palestiniano ou os votos de castidade de padres e freiras. Comentadores que, no mesmo dia, pedem respostas a Passos Coelho e a Paulo Bento e são incapazes de confessar que do assunto X ou Y não sabem nada, são os que, escandalizados e ofendidos, pedem silêncio às pessoas comuns que no Facebook expressam a sua dor para, muitas e muitas vezes, se sentirem vivas e úteis. Oferecem o seu coração. E noutros casos, noutros assuntos, oferecem a sua raiva, o seu ódio, a sua esperança. Oferecem o que têm. São voláteis e injustas. Mas não somos todos? Não navegamos todos num mundo onde a realidade e a ficção são íntimas? Não temos todos horror ao vazio e ao silêncio? 

Há quem ataque religiosamente o Facebook. E quem o defenda até à morte, como uma procissão de fé. Os argumentos dividem-se e a berraria é crescente e ridícula. Porque é verdade que nas redes sociais, como em qualquer passeio habitado por homens e mulheres, há monstruosidade. Gente com maus pensamentos, gente de maus fígados, gente intolerante e mesquinha, fascistas, racistas, corruptos, pedófilos, traficantes. Mas também os que nos emocionam, os que mudam um bocadinho o mundo com a sua paixão, generosidade, os que me oferecem um bocadinho de si, os de olhos grandes que me apaixonam em cada instante. Há quem veja as coisas sempre pelo lado mau. Pelo lado negro. Não quero estar aí, gosto de estar aqui. A ver o mundo com o maior número de cores que me for possível. 

Um tempo de interessantes paradoxos. Porque nas redes sociais os que mais apregoam reservas de intimidade são os que mais brutalmente a expõem. Sabemos dos seus casos amorosos nas revistas, vemos os seus casamentos nas tardes televisivas de fim-de-semana, assistimos aos seus dramas como se, cada um deles, reconhecesse que a sua vida não lhe pertence. Porém, uma grande parte dos que vivem dentro das revistas, protegem-se no Facebook, em páginas onde contam apenas o que é estritamente profissional. Para vários personagens tornados ficção, as redes sociais são os lugares onde desenham o rascunho de uma vida possível e real. 

É como os ricos e os pobres. Um rico com fome desespera mais depressa do que qualquer pobre. Da mesma maneira que um pobre com dinheiro se assemelha ao que criticou nos dias em que nada tinha. Somos críticos mais por aquilo que não temos do que por aquilo que é justo. Ansiamos pelo que não nos pertence. E não sabemos como reagir quando passamos a ser o que não éramos. Mas queremo-lo. Se for necessário matamos para o conseguir: ser o que não somos, ter o que não temos, ver o que nunca vimos, sentir o que jamais sentimos. O desejo é como a fome. Volta sempre depois da digestão feita. E muitas vezes apenas queremos um pouco de atenção. Um sorriso que nos olhe os olhos. Um vislumbre de desejo. Muitas vezes não é mais nada, um desejo de ser outra vez desejado, de desejar. Não mais do que isso. Uma simulação, um olhar furtivo, um cruzar de olhos, um consentimento sem consequência. Muitas vezes, é apenas a certeza que ainda existimos, que ainda não somos invisíveis. Muitas vezes é isto que nos salva. 

E noutras o que nos salva é o hábito. O hábito da manhã, sempre na mesma pastelaria, um clássico. Mesmo assim perguntam-me «um café?», interrogação retórica que me faz caminhar para lá sem qualquer falha – se me colocassem o café à frente sem perguntar primeiro se o queria, talvez desistisse de ir. Seria o sinal de que não respeitavam a possibilidade de, numa ânsia de liberdade, ter uma outra ideia. Sorrio ambíguo e digo: ‘sim, um café’. Por vezes, espero um ou dois segundos antes de lhe responder; como se naquela manhã pudesse escolher uma outra coisa, um outro caminho, uma outra vida. 

Volto ao assunto, às opiniões.
Todos as temos, todas as ouvimos. Milhares de opiniões, soluções, indignações. É uma virtude, a principal de todas elas, um direito de que não devemos abdicar. Ter opinião. Exercê-la, alargar o mundo com inteligência ou estreitá-lo com estupidez. Do que me queixo então? De um pormenor. O de tantas pessoas sem imaginação terem o vício e a pretensão de imaginar.