Elina Fraga: uma “Marinho Pinto” com saias?

1. Nas equipas de futebol, quando não há liderança e gestão estratégica, as individualidades começam a querer vencer os jogos através de jogadas individuais brilhantes cada uma fazendo o que consideram mais correcto. Na política, e no interior dos Governos, a realidade é idêntica: quando não gestão política estratégica, não há uma liderança forte e…

2. Começamos por referir que, no  nosso entendimento, Teixeira da Cruz é o membro mais sólido, mais consistente e mais seguro deste Governo. Com um pensamento estruturado, que advém da sua longa prática forense, com intuição política, sem medo e com convicções fortes – Paula Teixeira da Cruz conseguiu agitar o sector mais conformado e conformista da sociedade portuguesa. A Justiça portuguesa precisa de uma reforma profunda – quase uma revolução – que devolva a confiança aos cidadãos numa sociedade pautada pela igualdade e regras sãs de convivência colectiva. Um exemplo de como os portugueses não confiam no sistema de justiça tradicional: o cada vez mais frequente recurso a meios extrajudiciais de resolução de litígios. De facto, a relevância crescente da mediação e da arbitragem consubstancia uma efectivação, colectiva e difusa, da responsabilidade dos actores tradicionais do sistema de Justiça pelos cidadãos. Por conseguinte, é completamente espúria a afirmação da Bastonária da Ordem dos Advogados de que a arbitragem e a mediação são formas de privatização imoral da justiça – bem pelo contrário. O recurso a estes meios é uma consequência – e não a causa – da degradação da confiança dos portugueses, pessoas singulares e pessoas colectivas, face ao sistema de justiça “tradicional”. Eliana Fraga, que é outro exemplo de uma mulher assertiva, com convicções fortes e muito talento, para se impor e contribuir para a Justiça Portuguesa, deve rapidamente abandonar os “tiques” de Marinho Pinto. Para ser uma boa Bastonária e ser reconhecida pelos seus pares, Elina Fraga precisa de ser ela própria, com as suas ideias e a sua forma de liderança – e não pretender ser a fiduciária do legado de Marinho Pinto.

3. Até ao presente momento, a Ordem dos Advogados entrou numa deriva populista, sem critério, sem lógica. Enveredou por um caminho muito perigoso – e que não honra os advogados portugueses. Primeiro, foi a história da manifestação de advogados em frente à Assembleia da República: foi mais um evento folclórico, do que propriamente a apresentação credível de alternativas às medidas do Governo. Ora, a Ordem dos Advogados não se pode converter na CGTP dos profissionais liberais, numa “CGTP de toga”! Nem tão pouco pode a Ordem dos Advogados transformar-se no táxi das aspirações do irritante e salta-pocinhas Marinho Pinto!

4. Depois, Eliana Fraga teve a brilhante ideia de apresentar uma queixa-crime contra os membros do Governo pela prática do crime de abuso de poder devido ao encerramento de tribunais. Aqui a Ordem dos Advogados prestou um péssimo serviço à Justiça Portuguesa, à democracia e à cidadania. Porquê? Porque está a contribuir para uma das causas da erosão dos governos democráticas: a jurisdicionalização da política. Encerrar tribunais pode ser uma medida legislativa negativa, pode, com certeza, merecer a nossa mais profunda discordância política – mas daí a poder ser abrangido na previsão de um ilícito criminal vai uma longa, longa distância. Imagine-se o que seria se cada ordem profissional, se cada empresa, se cada português, sempre que se discordar de uma medida político-legislativa, accionar criminalmente os membros do Governo! Qualquer dia, com estas brincadeiras, não temos democracia, não temos cidadãos com vontade de exercer funções governativas, nem temos tribunais (sim, porque, em Portugal, nem poderíamos ter uma “juristocracia”: atendendo à morosidade da Justiça e aos seus impedimentos de várias naturezas, primeiro que os tribunais decidissem, já a anarquia teria há muito triunfado…).

Além disso, com estes expedientes inúteis, inconsequentes, que servem apenas para atrair a comunicação social, a bastonária da Ordem dos Advogados confirma a péssima imagem que os portugueses nutrem em relação a esta classe profissional: a de que só praticam actos desnecessários, que consomem recursos ao País e tempo aos juízes (que deveriam preocupar-se com casos sérios, reais e que, de facto, têm implicações para as partes). E também devido a estas brincadeiras mediáticas que Portugal chegou à encruzilhada em que vivemos. Mas a cultura Marinho Pinto é muito forte na Ordem. Algo terá que mudar. Que saudade de uma ordem construtiva e dialogante, como a de Rogério Alves ou José Miguel Júdice! Enfim: tempos que não voltam?

Terminamos como começámos. Paula Teixeira da Cruz, embora com fragilidades, tem marcado pontos –e tem aspirações políticas que não se limitam ao Ministério da Justiça. Quais? É o que veremos no nosso próximo artigo, aqui, sempre, neste nosso espaço ao e no SOL. 

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